O assunto mais
importante do mundo na última semana é o tal do “rolezinho”, que vem
aterrorizando os pacatos cidadãos paulistanos, ávidos frequentadores de
estranhas redomas, dentro das quais ficam circulando por horas e horas olhando
vitrines e consumindo gororobas.
Esse ambiente até então asséptico e controlado vem sendo
invadido por alienígenas oriundos dos rincões mais inóspitos da grande pequena
cidade. Os usurpadores tomam de assalto os corredores em tropéis desabalados,
entoando cânticos estranhos, aos brados, recheados de termos chulos e
ofensivos, que afligem os castos ouvidos e a refinada sensibilidade dos
habituais frequentadores desses santuários.
Inicialmente,
planejava abordar o tema sob um contexto jurídico. Já tinha pensado inclusive nas
linhas gerais do texto, dissertando sobre o direito de reunião, sobre a Lei
7.716, e principalmente sobre Minority
Report*. Mas percebi que a questão é infantilmente mais simples.
Neste ponto, é
preciso uma breve contextualização. Sou o feliz pai de uma criança de quatro
anos, o Felipe, e de um bebê de seis meses, a Nicole. Invariavelmente, quando
estou sozinho com a Nicole, numa paz angelical que só bebês conseguem
proporcionar, o Felipe irrompe como um bólido descontrolado. Além dos gritos e
cantorias de praxe, incluem-se no seu repertório os puxões tentando derrubá-la
do meu colo ou, se ela estiver deitada, os saltos acrobáticos que
invariavelmente tiram fino da frágil cabecinha da pequena e quase me causam um
ataque cardíaco.
Já tentamos
modificar o comportamento dele de todas as maneiras imagináveis. Mas, desde os
açucarados diálogos até a forte repreensão (tá, berros histéricos, dos quais devemos nos envergonhar), nada funciona. O Felipe só
volta a ter um comportamento relativamente pacífico quando deixo a Nicole de
lado e lhe dedico atenção exclusiva, nem que seja para ele ficar só repetindo
“Pai, pai, deixa eu falar uma coisa?”, sem nunca chegar nessa “coisa” que tanto
queria dizer.
Não sei se os
frequentadores dos “rolezinhos” tem alguma coisa a dizer. Acredito que tenham,
ainda que eles próprios possam não saber disso. Certamente, seria preferível
para a maioria dos tradicionais habitantes das redomas que eles se expressassem
de maneira mais ordeira, sem correrias e palavrões. Mas o problema, no fundo, é
que ninguém nunca deu qualquer atenção a eles até que começassem a gritar. E agora não vai ter polícia, bandido, juiz, playboy ou
general que os faça calar. Pelo menos, não até que comecemos a escutar.
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