sexta-feira, 7 de março de 2014

Mamãe, eu quero ser prefeito!



(Luís Roberto Barroso, Ministro do STF, no dia 21/02/2014, na PUC/SP)

Quem diria, aparentemente não sou o único a pensar que o sistema político brasileiro se assemelha a uma plutocracia.
Para quem não domina o conceito, segue uma breve definição: a plutocracia é um sistema de governo no qual o poder é exercido pelos mais ricos. Uma das consequências lógicas desse sistema é a acentuada desigualdade social.
Há, pelo menos, duas maneiras de identificar a presença da plutocracia no Brasil. O primeiro caminho é teórico. Passa pela análise da estrutura do sistema, e das barreiras que ele impõe. Quem tiver interesse em seguir por esse método, sugiro que estude a legislação partidária, em especial os critérios para formação de partidos, a regra do quociente eleitoral, os modelos (até agora) de financiamento das campanhas. Concluirá, por si só, que temos um sistema que serve aos políticos melhor do que serve à política.
Seguiremos, todavia, pelo segundo caminho, mais simples e direto: a análise de evidências. 
Primeira evidência: custa caro ser candidato no Brasil, e mais caro ainda ganhar as eleições. O custo médio de campanha dos deputados federais eleitos em 2010 foi de aproximadamente um milhão de reais, isso considerando apenas os valores declarados à Justiça Eleitoral. E a tendência é de alta: estima-se que nas eleições de 2014 uma cadeira na Câmara poderá custar até 5 milhões de reais!
A segunda evidência decorre diretamente da primeira: a composição atual do Congresso Nacional. Vale a observação de que a soma dos números do gráfico supera as vagas do Congresso porque muitos podem estar classificados em duas ou mais categorias, já que elas não são necessariamente excludentes:


Vamos pensar sobre o que nos diz este gráfico. O mínimo que se espera, numa democracia representativa, é que os cidadãos estejam, de fato, representados. O Congresso Nacional deveria ser, em menor escala, um retrato da sociedade, com representação o mais equitativa possível de cada grupo de interesse. Constataremos, todavia, que alguns grupos estão representados em números muito mais expressivos do que outros:
  • O eleitorado total do Brasil é de aproximadamente 140 milhões;
  • Em meados de 2012, havia mais de 70 milhões de trabalhadores formais no país;
  • Logo, 50% do eleitorado se compõe de trabalhadores assalariados.
  • Cabe aos Sindicatos representar os trabalhadores. Pois lá estão eles no Congresso: 91 cadeiras, de um total de 594 (513 deputados, e 81 senadores). A representação equitativa dos trabalhadores, portanto, é por volta de 15%, embora eles representem, em número, 50% do eleitorado.
Quem será que ficou com as vagas que sobraram?
Vejamos. O grupo com maior número de representantes é o empresariado: 273, ou 46% do Congresso. Nosso povo deve ser muito empreendedor. De fato, em 2009, quando foi feita a PNAD, havia quase 24 milhões de empresários no Brasil. Pesquisas recentes estimam que o número já chegue a 27 milhões. Como não estamos preocupados com miudezas, vamos utilizar o segundo número: 27/140 = 19%.
Logo, o sofrido empresário brasileiro tem um fio de esperança: embora eles representem menos de 20% da população, quase metade do Congresso está pronto a se mobilizar em defesa dos seus interesses.
Quem tiver estômago para fazer os cálculos para a bancada ruralista, favor guardar segredo.
Um momento, isso não é suficiente. Afinal, os representantes podem ser classificados em mais de um grupo. Assim, o fato de ser empresário não significa que ele estará no Congresso defendendo apenas, ou fundamentalmente, os empresários. Ele pode ser um pequeno empresário, com interesses mais próximos dos trabalhadores do que os próprios sindicalistas. Os dados não são conclusivos. Há prova real de favorecimento dessa suposta “classe dominante”?
A pergunta faz sentido. Vamos então para a terceira evidência: benefícios efetivos para os mais abastados, decorrentes de ações dos três poderes da República.
Já tratamos, aqui no blog, sobre a regressividade do sistema tributário brasileiro. Neste próprio artigo, demonstramos que é necessário investir um montante considerável de capital para ter chances de sucesso na política. Iremos além, com exemplos ainda mais peculiares.
Um meliante que pula o muro de uma casa e rouba um aparelho de televisão comete furto qualificado, e poderá ser condenado à reclusão de dois a oito anos. Já um empresário que sonegar, de forma fraudulenta e contumaz, milhões de reais, estará sujeito a uma pena de dois a cinco anosIsso, ainda, supondo que o nosso Poder Judiciário encarasse da mesma maneira os crimes “comuns” e os de colarinho branco, se ricos e pobres fossem julgados objetivamente. Na verdade, as coisas acontecem mais ou menos assim:
Já passamos pelo Legislativo e pelo Judiciário, falta uma ajudinha do Executivo. Não seja por isso: o crédito mais barato do Brasil é oferecido aos empresários, via BNDES.  A instituição inclusive parece se orgulhar de ter a maior parte de sua carteira formada por grandes empresas: 

As coitadas pagam escorchantes juros básicos de 5% ao ano, mais taxa de risco de crédito e remuneração do BNDES. Essas duas taxas são fixadas caso a caso pelo banco. Apenas como exemplo, no leilão de Belo Monte o custo total foi inferior a 9%.
O cidadão comum, por sua vez, a menos que tenha condições de pegar as sobras do BNDES (linhas direcionadas para pessoas físicas), paga quase 40% ao ano. Mesmo as taxas de crédito imobiliário são, em média, superiores às praticadas pelo BNDES. Tudo bem, afinal, ele empresta pra quem mais precisa!
Quem achou que foram poucos exemplos, garanto que houve seletividade, para não alongar demais o texto. Quem procurar, achará o suficiente para encher uma enciclopédia.
Mas ainda não basta. Vamos para a quarta evidência, sem a qual não poderíamos caracterizar a plutocracia: acentuada desigualdade social.
Recapitulando: não vivemos efetivamente em uma democracia, pois quem exerce o poder de fato não é o povo, mas sim os donos do dinheiro. O poder econômico os conduz aos cargos políticos, onde, naturalmente, fazem leis para preservar seus próprios interesses, perpetuando as inconsistências e a desigualdade social. Não podemos fugir desse ciclo simplesmente votando em “outros”, porque as candidaturas que não tem suporte de capital se revelam inviáveis, não conseguindo sequer comunicar ao eleitor sua existência, que dirá vencer eleições. Diante desse quadro, será que a melhor saída para o Brasil é mesmo o aeroporto?
Não creio. Na verdade, quanto mais pesquiso e escrevo sobre o país, mais me convenço de que os problemas são tão evidentes, que a maioria deles pode ser combatida com relativa facilidade, e por diferentes caminhos. Claro, se tivéssemos vontade de resolvê-los.

Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas.
Sun Tzu, A arte da guerra






Nenhum comentário:

Postar um comentário