Há, no mínimo, três “prêmios” sendo disputados pela
sociedade brasileira na Copa do Mundo (da FIFA).
O mais importante, em minha opinião, é aquele em que
parecíamos tão interessados antes da abertura do Mundial, e que aos poucos vai
se desvanecendo: que a atenção despertada pelos possíveis desvios de recursos durante a organização da Copa nos empurrasse um pouco ao longo do caminho para sermos um povo mais engajado, politicamente ativo. Não apenas para tuitar palavras de ordem tolas, mas para cobrar de quem deve ser cobrado, assumir
nossa parcela de responsabilidade pela coisa pública. Como sou realista, mas
não ranzinza, quero crer que até avançamos um pouco nesse quesito. Muito já foi esquecido, e muito mais o será depois de outubro. Mas algumas
pessoas não esquecerão e, aos poucos, vamos aprendendo a construir uma democracia.
Em compensação, estamos bem perto do segundo prêmio. As
profecias apocalípticas não se realizaram. Ao contrário, pasmem, estamos mesmo
realizando a “Copa das Copas”. Sensacional dentro de campo, mais do que
satisfatória fora dele. Há quem diga até, santa heresia, que superamos em organização os Jogos de Londres. Um estrondoso baque para o nosso complexo de
vira-latas. Um pequeno, mas importante, brilho para a imagem do nosso país.
Como grande fã de futebol, estou ciente de que o meu “terceiro
prêmio” deve ocupar o topo da lista para a maioria das pessoas:
vencer o torneio. Pode soar estranho que eu não
me importe tanto com isso. Torço sim para que a taça fique com o Brasil, mas, se não acontecer, passará longe de ser uma tragédia. Mesmo a seleção mais vencedora de todas não
pode vencer sempre. E esta edição, em tese, não seria uma das nossas melhores chances. O
principal astro do time tem 22 anos. Além dele, os únicos que despontam como
destaques em clubes europeus de ponta são jogadores de defesa. Nosso goleiro
joga no Canadá, os dois centroavantes, no Brasil mesmo. Temos jogadores
vestindo a amarelinha que passaram a temporada na reserva dos seus clubes, e
alguns desses clubes são na Ucrânia. Não temos meio de campo, a “organização
tática” da equipe pode ser montada, sobrando espaço, numa só das pranchetas do Mister Joel Santana. Mas mesmo assim temos chance: principalmente pela força da camisa,
e porque estamos jogando em casa.
E daí puxo o assunto: por incrível que pareça, o que
deveria ser nossa maior vantagem se transformou em fraqueza. A torcida não colabora, só aprendeu a cantar o hino à capela e entoar, vez que outra, o
chatíssimo “sou brasileiro...”. Nisso, até tentam jogar parte da culpa para a
dona FIFA e seus caríssimos ingressos, que teriam afastado a verdadeira torcida
dos estádios. Mas como explicar então a festa de argentinos, colombianos, e até
argelinos? Teriam esses povos condições econômicas assim tão superiores aos
brasileiros? A verdade é que, por motivos diversos, não temos o hábito de torcer pela seleção.
Nesse caso, muito ajuda quem não atrapalha. Mas claro que
não ficamos satisfeitos em apenas não ajudar. Após a dramática vitória sobre o
Chile, temperada por uma nuvem de lágrimas, jogadores se escondendo, caindo
pelo gramado, tudo coroado pelo discurso de autocomiseração daquele que saiu de
campo como herói, assumindo que ainda se sente culpado pela competição que
perdemos quatro anos atrás, formou-se um consenso na mídia e na opinião
pública: o grupo está “fragilizado emocionalmente”. Estão sentindo a responsa
de ter a obrigação de ganhar.
O que faz, então, o torcedor brasileiro? Falo apenas do
torcedor, porque entendo essa atitude dos jornalistas, afinal, eles precisam de
pautas, de polêmicas. Mas o torcedor, em tese, deveria apoiar sua seleção. E o
que faz ele após a vitória? Exalta o goleiro pegador de pênaltis? Elogia nossos zagueiros, alguns dos poucos que vem correspondendo? Dá força ao
jovem camisa 10, que vinha muito bem e apenas nesse último jogo teve uma atuação
apagada? Claro que não. Como um bando de abutres, começam a
repercutir cada fio de polêmica possível, doidos para arrumar um vilão.
Para que elogiar nosso goleiro, se podemos
criticá-lo por ter chorado? Melhor ainda, podemos dizer que ele “não fez
mais que a obrigação”, já que falhou na última Copa. E o nosso capitão, tido como o melhor zagueiro
do mundo? Vamos pisar um pouquinho nele também, porque não quis bater pênalti,
nem ficou berrando na rodinha. E por aí
poderíamos citar cornetagens das mais variadas que vem ganhando eco, atingindo desde
o massagista até o centroavante.
Ora, qualquer psicólogo de botequim poderia concluir que, se temos um grupo abalado emocionalmente (o que, diga-se de passagem, não deveria acontecer em se tratando de atletas profissionais, muito bem
remunerados, com as melhores condições para se prepararem, etc., mas está acontecendo, e o
mundo do “dever ser” não nos interessa), 23 jogadores morrendo de medo de
virarem o “Barbosa” de 2014, a melhor coisa que podemos fazer para atrapalhar é
ficarmos apontando o dedo para um, ou para outro, procurando culpados para uma derrota que ainda não aconteceu. E não considero isso apenas burrice, mas também uma tremenda injustiça.
Porque muito poderá ser dito no futuro sobre essa seleção
brasileira: que faltou
talento, que houve erros na convocação, no esquema tático. Mas não se poderá
dizer, jamais, que eles não se importaram. Importam-se
até demais, talvez. E nós, que tanto nos queixamos quando, após uma derrota, os
vencidos não demonstram tristeza, simplesmente apertam as mãos dos adversários e saem de campo para seguir a vida, muitos até sorrindo, enquanto nós
passamos horas chorando, agora estamos reclamando porque eles também choram.
Porque eles também sofrem. Porque, assim como nós, eles querem muito vencer. E não
sabem se são capazes. E tem medo. Medo de nos decepcionar. Medo de decepcionar
a si mesmos. E, para vencer, não podem deixar que o medo os paralise. E, com certeza, não precisam de mais fantasmas.
Por
isso eu digo que, de hoje até o jogo final, esses jogadores não merecem ser
"cornetados". Estão chorando? Pois então, cantemos para eles. Vamos
carregá-los “no colo”, se preciso for. Porque, pelo menos dessa vez, vitoriosos
ou derrotados, eles não voltarão para a Europa como se nada tivesse acontecido.
Essa seleção, por mais deficiências técnicas e psicológicas que possa estar
mostrando, tem alma. E só alma não basta para vencer um jogo de futebol, é
certo. Mas não estamos falando de partidas de futebol, estamos falando da Copa
do Mundo. Um palco onde, na reta final, alma, magia e vontade costumam valer
tanto quanto, ou mais, do que o talento. E por isso podemos vencer.
A menos
claro, que estejamos decididos a perder, para podermos acrescentar novos vilões
à galeria. Afinal, qual é graça de não ter ninguém para apontar o dedo, além de
nós mesmos?
Perfeito como sempre!!! Adoro seus posts. Parabéns!!!
ResponderExcluirObrigado, Luci!
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