Há menos de três meses, externei grandes esperanças em relação ao
futuro do país. Na época, pensava haver motivos suficientes para tal otimismo. Afinal,
em 2014 foram descobertos e denunciados uma série de casos de corrupção (como a
máfia do ISS, a queda do “Império X”, o “petrolão”). E as denúncias,
finalmente, vieram acompanhadas de prisões. Como se não bastasse, também
tivemos o aniversário de um ano de cadeia dos condenados no mensalão.
Objetivamente, as coisas não parecem ter mudado muito desde então.
Delatores continuam delatando, executivos entram e saem de carceragens, o homem
mais rico do país na semana passada assiste à Polícia Federal apreendendo suas
modestas posses. Não obstante, minhas expectativas já não são as mesmas. E o
que as fez mudar, creiam, foi um comentário singelo, que encontrei reproduzido
mais vezes do que seria desejável (bem, uma vez já seria mais do que o
desejável), que apresenta a “solução final” para a corrupção: privatizar.
O contexto, evidentemente, é o noticiário que envolve a Petrobrás.
E eu, que pensava ser óbvia a falta de correlação entre comportamento desonesto
e o caráter público, ou privado, de uma instituição, constato que estava enganado e que mais uma vez o óbvio escapou aos olhos de muita gente (ok, sempre tem uma chance de 0,01% de eu me enganar). Para minorar meu equívoco, sugiro que
cliquem aqui e leiam um excelente artigo sobre o comportamento desonesto,
repleto de gráficos, pesquisas e referências. Aviso logo que abordarei o tema
de modo bem mais simplificado.
Feito o alerta, vamos iniciar construindo uma linha de raciocínio
que nos permita enfrentar a espinhosa questão proposta: como erradicar a
corrupção? O primeiro passo é definir o problema. Moleza, o problema é a
corrupção. O segundo passo, identificar suas causas. Por que existe corrupção?
Opa, isso já não é tão fácil de responder.
A simples proposição da pergunta deve bastar para percebermos que
o problema é complexo – e, como tal, não será resolvido com uma “bala de
prata”. Acreditar em soluções simples para problemas complexos é, no mínimo,
ingenuidade. Não nos contentemos, porém, em negar apenas que a “solução” é
privatizar. Vamos além, para demonstrar que privatizar (ou estatizar, ao seu
gosto) sequer arranha a solução.
Por que alguém praticaria um ato de corrupção? Visualizo um
processo que envolve, no mínimo, quatro elementos: a ambição (intenção de
auferir vantagem); a ausência de uma formação ética e moral que o impeça de
adotar um comportamento reprovável para auferir essa vantagem (às vezes o vazio
moral é tão profundo que o agente sequer reconhece que o comportamento é
condenável); a avaliação de que os benefícios superam os riscos (no popular, a confiança
na impunidade); e, por fim, a oportunidade.
Os dois primeiros elementos são subjetivos, e com certeza
privatizar ou estatizar empresas não tornará as pessoas menos gananciosas,
tampouco modificará os valores morais delas.
No quesito impunidade, os riscos tendem a diminuir quando retiramos o poder público da equação. Não há
legislação adequada no Brasil para atos de corrupção exclusivamente privados; quando há
lei, as penas são menores do que nos casos de corrupção pública; as empresas
privadas não estão sujeitas aos mesmos controles das públicas; etc. etc. e se
duvida, ou, pior, “não sabia” que existe (muita) corrupção no setor privado,
leia isto e pelo menos um pouco disto.
Analisando o último elemento, oportunidade, e tomando como exemplo justamente a
Petrobrás, de que modo privatizá-la reduziria as chances de atos ilícitos? A
empresa continuaria contratando obras, vendendo serviços e assumindo obrigações, tanto com particulares quanto com o poder público. Ser pública, privada ou de
economia mista afeta o fórum em que futuros desvios são julgados; mas
dificilmente impediria um diretor inescrupuloso de pedir propina ao empreiteiro.
Aliás, não custa lembrar que as empreiteiras que ocupam o outro pólo da “lava-jato”
são todas empresas privadas.
“Ah, mas a corrupção em empresa particular é diferente. Lá podem
até roubar, nem me importo, porque o dinheiro é deles. Numa empresa pública, estão metendo a
mão no meu dinheiro!”
Bem, o seu dinheiro
devia estar num banco, ou debaixo do colchão. Imagino que o interpelante queira se referir aos
recursos públicos, que provém das mais diversas fontes, uma das quais, os
tributos que somos compelidos a pagar. Sabem de onde não vem os recursos esperados? De empresas que sonegam impostos,
chegando até (segundo as más línguas) a contribuir generosamente com agentes
públicos ou políticos para que estes não vejam seus ilícitos, ou, melhor ainda,
imponham leis em seu benefício, tornando lícito o que deveria ser ilícito.
Agora, se quisermos falar do nosso
dinheiro mesmo, aquele que podemos gastar livremente, um ambiente de negócios corrupto tem como
conseqüência direta o aumento dos preços dos produtos que consumimos. Não
acreditam? Não leram o relatório de 150 páginas da Transparência Internacional?
Tem um resumo aqui.
Enfim, apenas para deixar claro que estamos falando de uma coisa, e não
de outra: quem entende que o Estado não é o agente mais apropriado para
explorar petróleo, ou emprestar dinheiro, ou operar estradas, e deveria se ocupar
de atividades mais propícias ao bem comum (como saúde, educação, segurança), ótimo.
Que alinhe seus melhores argumentos e defenda as privatizações. Mas não sejamos
tolos ao ponto de acreditar que privatizar é um remédio contra a corrupção. Que
basta parar a música, trocar as pessoas sentadas nas cadeiras, e vislumbrar um
pôr do sol reluzente. Não, desta vez precisamos derrubar as cadeiras.
Mas se isso parecer difícil demais, se preferirem continuar
exercendo o direito inalienável de se iludirem com não-soluções fáceis,
por favor, pelo menos pensem um pouco antes de verbalizar semelhantes tolices. Porque quero continuar
acreditando que, se as velhas estruturas um dia caírem, seremos capazes de
construir alguma coisa melhor no lugar. Que não nos deixaremos enganar com uma
mera troca de atores, a serviço dos mesmos interesses de sempre. Que nos cansamos
de ver o futuro repetir o passado.
E para encerrar, lembrando que estamos, de algum modo, tratando da
Petrobrás, a trilha sonora é em homenagem à situação atual da empresa. Bom
carnaval!
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