No
apagar das luzes de 2014, o governo federal anunciou mudanças nas regras de diversos benefícios previdenciários: pensão por morte, seguro-desemprego, abono
salarial, auxílio-doença e seguro defeso (um tipo de seguro-desemprego para pescador). As
manifestações contrárias foram consideravelmente abafadas pelo ruído dos fogos
de réveillon, o que foi uma pena, pois constituem uma curiosidade por si só. Com
exceção de uma meia dúzia de desvairados esquerdistas, que até hoje não
entenderam que é preciso “acalmar o mercado”, as críticas que consegui filtrar
remetem mais ao fato da Presidente ter prometido que não iria fazer isso, ou
acusado o adversário de que ele é que faria aquilo, do que à (in)conveniência
das medidas. Também, como criticar qualquer iniciativa que visa fomentar o tão
desejado “superávit” e promover a “responsabilidade fiscal”? Afinal, já estamos
cansados de saber que não tem outro jeito mesmo.
Fim
dos intervalos comerciais. De todo modo, também não me interessa comentar muito
sobre o mérito das novas regras. Há quem diga que são bem vindas,
principalmente devido aos fortes indícios de fraudes nos benefícios. Sem
dúvida, dificultar o acesso aos benefícios deverá reduzir as fraudes. Mas se a
ideia é essa, então por que não eliminar de vez os benefícios? Máxima economia e
fraude zero.
Enfim,
caso alguém se interesse pelo que penso a respeito, esclareço logo que redução de direitos
trabalhistas e cortes de benefícios previdenciários não seriam minhas medidas
preferenciais para melhorar a gestão do dinheiro público. Mas o assunto sobre o
qual desejo refletir é: admitindo que a decisão do governo partiu de uma
determinada premissa (precisamos economizar xx bilhões) por que optou por esses
cortes, e não por quaisquer outros?
Como
sempre, a beleza está nos detalhes. Basta olhar para os prejudicados pelas
medidas. Quem deixará de receber o seguro-desemprego, por ser demitido do
primeiro emprego em menos de dezoito meses? Quem terá sua pensão tungada, pelo
infortúnio do pretenso instituidor partir para o campo das felizes caçadas
antes de completados dois anos do enlace matrimonial? Quem ficará sem abono salarial por ter trabalhado menos de seis meses?
Pois
é. Eu não sei, você não sabe, os futuros prejudicados tampouco. Seria
fantástico assistirmos a um grande protesto, repleto de jovens idealistas, indignados
com a possibilidade de não receberem o seguro-desemprego caso sejam demitidos em
menos de dezoito meses do emprego que ainda não conseguiram. Melhor ainda, uma
passeata de belas moçoilas recém-casadas, angustiadas com o risco iminente de ficarem sem
pensão caso seus maridos morram nos próximos dois anos. Pena que os jovens devem
estar ocupados procurando o tal emprego do qual um dia serão demitidos. E quanto
à passeata das recém-casadas, provavelmente não seria muito bem vista pelos
seus maridos.
A
lógica por trás da escolha, assim, é cristalina, e a mesma de sempre: perde
mais quem pode menos. E quem “não existe” nada pode. Em compensação, foram firmemente rechaçadas as declarações de um ministro mais açodado sobre possível
mudança nas “regras de reajuste do salário mínimo”. Acho que ele quis dizer que
a política de ganhos reais do salário mínimo está ameaçada. Felizmente, a Presidenta já desdisse o que ele havia dito, porque tem um monte de gente que
efetivamente ganha um salário mínimo, e que não iria gostar nada dessa novidade. Espero que ela esteja falando sério desta vez, porque, com o devido respeito às opiniões contrárias, o salário mínimo nacional ainda merece muito o nome de mínimo.
Enquanto
isso, o Ministro da Fazenda avisa que vai acertar as contas públicas sem tirar um centavo dos programas sociais. A Ministra da Agricultura proclama que no Brasil não existe
latifúndio. O Ministro dos Esportes assume que não entende nada de esporte. Os sociais-democratas
que na verdade eram neoliberais viraram trabalhistas e se erguem em defesa do proletariado, os trabalhistas viraram
neoliberais. E eu, que andava pensando em escrever um pouco de ficção neste ano de 2015, precisarei de muita transpiração para produzir qualquer fantasia que não leve de goleada da nossa psicodélica realidade.
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