sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Será a democracia?


Do ponto de vista etimológico, a palavra “democracia”, formada pela junção das palavras gregas demo (povo) e kracia (governo) significa governo do povo. Embora essa definição esteja bem distante do uso atual da palavra democracia (sobre isto, recomendo fortemente a leitura deste texto), a  Constituição do Brasil ainda se ancora no sentido puro:
“Art. 1º, Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
O texto constitucional discrimina, portanto, duas formas possíveis de exercício da democracia: por meio de representantes eleitos (democracia indireta, ou representativa) e diretamente (democracia direta, ao estilo do que ocorria na pólis para os cidadãos livres).
Os modos de exercício da democracia são descritos no artigo 14:
“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.”
Logo, os instrumentos de democracia direta são o plebiscito, o referendo, e a iniciativa popular. No plebiscito, a população é convocada para decidir sobre um determinado tema; no referendo, para aprovar ou reprovar alguma decisão já tomada pelo governo; e a iniciativa popular é a possibilidade do povo apresentar projetos de lei.
Nos últimos vinte anos, tivemos: um plebiscito, em 1993, sobre Monarquia/República e Parlamentarismo/Presidencialismo; um referendo, em 2005, a respeito do Estatuto do Desarmamento. Em relação aos projetos de lei de iniciativa popular, desde que foi promulgada a Constituição tivemos apenas quatro que se converteram em lei, sendo o mais recente o da “ficha limpa”.
Não obstante a importância e potencial dos institutos de democracia direta presentes na Constituição, estes números demonstram que o modelo brasileiro é, predominantemente, indireto. A soberania popular seria exercida pelo voto, cabendo aos representantes eleitos agir em nome e na defesa dos melhores interesses do povo que os elegeu. Assim, a efetiva existência da democracia demanda que as ações políticas dos representantes eleitos tenham a máxima similaridade possível com os efetivos anseios dos representados.
A pergunta, portanto, passa a ser: será que as ações dos nossos representantes políticos estão em consonância com os anseios populares? Tudo leva a crer que a melhor resposta seria não:
Atentemos aos seguintes dados da pesquisa do IBOPE: numa avaliação de 0 a 10, senadores, deputados e vereadores receberam notas médias abaixo de 4. Foram, portanto, reprovados. Conclui-se, logicamente, que essa insatisfação deveria se refletir nas eleições, com a crescente renovação dos representantes. Pode ser que isto aconteça agora, em 2014 (particularmente, duvido). O fato é que não tem acontecido: os índices de renovação no Congresso Nacional, desde a década de 90, estão sempre por volta de 40%. Há que se considerar, ainda, que muitas das mudanças ocorrem por opção: aposentadorias, candidaturas para outros cargos, nomeações para secretariados e ministérios, etc. .
Ou seja, embora o povo avalie negativamente seus representantes, com notas abaixo de 4, tende a reconduzir a maioria deles (por volta de 60%, no mínimo) para os seus cargos. Paranoia? Esquizofrenia?
Vimos, no artigo anterior, que nas eleições majoritárias há forte correlação entre a avaliação do governo e o futuro político do mandatário. A reeleição de um governante com índice de aprovação inferior a 40% é considerada praticamente impossível. No entanto, nas eleições proporcionais, mesmo com uma avaliação inferior a 40% no desempenho dos representantes, mesmo com um altíssimo grau de desconfiança na classe política, com a clara percepção de que estes representantes não estão agindo nos legítimos interesses do povo, a maioria deles continua se reelegendo, legislatura após legislatura. Ou, pior, galgando a cargos mais altos.
Essas constatações produzem, aparentemente, um paradoxo. Os representantes não estão atendendo aos anseios populares, logo, não estariam concretizando a democracia. Por outro lado, seus mandatos são legais, conferidos mediante eleições periódicas. A soberania popular estaria sendo exercida normalmente, por meio do sufrágio. Há ou não democracia, afinal? Como resolvemos esse enigma?
Bem, vamos escrever as conclusões acima de outro modo: os atos dos representantes são legais, pois foram respeitadas as formalidades para que ali eles estivessem. Mas ilegítimos, pois não correspondem ao que eles deveriam fazer, segundo a Constituição: a vontade do povo.
E como nasce, e se perpetua, essa ilegitimidade? A partir de uma falha basilar do nosso sistema eleitoral, que desrespeita um princípio fundamental para aproximar um sistema representativo de uma democracia: o direito de qualquer cidadão votar e ser votado.
Hoje, felizmente, a maior parte dos brasileiros tem o direito de votar. Não há mais critérios étnicos, sociais ou de gênero para excluir de alguns nacionais esse básico direito de cidadania. Mas para ser votado é preciso mais do que a “simples” cidadania. Este exige, além dos requisitos formais previstos na Constituição e nas leis, um outro elemento, implícito, mas absolutamente real e determinante: o poder econômico.
No próximo texto, demonstraremos a verdade contida nessa afirmativa e os motivos pelos quais nosso sistema eleitoral-representativo conduz, de fato, não a uma democracia, ainda que indireta, mas a uma plutocracia, palavra que os constituintes devem ter achado um tanto inadequada para constar no texto da Lei Maior. 


domingo, 16 de fevereiro de 2014

O brasileiro não sabe votar! (?)


“Não adianta nada ser um leão nas ruas e um burro na frente da urna!”
Frases de efeito tem uma capacidade especial de induzir as pessoas a desligarem o senso crítico e saírem alegremente repetindo “verdades” pré-fabricadas. Mas as ideias tem poder, e poderes trazem responsabilidades (Parker, Ben, in: todas as revistas e filmes do Homem-Aranha). Já se consolidou no imaginário popular a crença de que o brasileiro “não sabe” votar. Por tabela, muitos dos males que afligem nosso país seriam por conta dessa inapetência. Será mesmo que o cidadão brasileiro está produzindo sua própria desgraça, digitando sempre os números errados naquela maquininha?
Bem, para responder isso primeiro precisamos entender o que seria “saber votar”. De um ponto de vista estritamente pessoal, votar bem é votar igual a mim, lógico. Quanto maiores forem as diferenças entre o meu candidato e o adversário, que foi escolhido por outro eleitor, maior a ignorância e falta de noção do infeliz. Afinal, como bem escreveu Descartes, o bom senso é o que há de mais abundante no mundo. Todos o tem, e em boa quantidade: não há quem se reconheça um idiota. Se eu sou uma pessoa de bom senso, e voto no candidato “A”, como alguém pode votar no candidato “Z”? Que ignorante, é por culpa de gente assim que o país está desse jeito!
Parece evidente que essa linha de raciocínio não será muito produtiva. Em vez de olhar para o “quem”, precisamos olhar os “porquês”. Quais os fatores que influenciam o voto? Como é o processo decisório? Haverá algum modelo melhor que os outros, fazendo com que alguns votem “mal” e outros votem “bem”?
Pesquisas realizadas no Brasil, desde o início da última década, indicam que o bem-estar econômico é o principal fator de influência da decisão do eleitor. Em outras palavras, os candidatos de situação tendem a vencer quando a avaliação positiva do governo supera 50%. Essa tendência é tão clara que é utilizada para projeções dos institutos de pesquisa, antes mesmo de iniciada a campanha eleitoral:
O fato de continuar votando nos mesmos candidatos, desde que haja satisfação com o desempenho geral do governo, indica que o eleitor brasileiro segue um padrão de escolha preponderantemente racional. Nisso, ele não difere dos eleitores de países desenvolvidos. Os outros elementos que influenciam no voto – ideologia, carisma do candidato, influência dos amigos e familiares – não tem se revelado fortes o bastante para modificar o resultado das eleições majoritárias. Por outro lado, se o cidadão acredita que, por meio da ação direta de um determinado político, obteve benefícios reais, é muito provável que siga votando neste político, ou em quem quer que ele indique como candidato a sua sucessão. Nada mais racional e esperado do que isso.
Mas, se o critério é racional, seria de se esperar que não houvesse tanta variação entre os resultados nos diversos estados, não é? Podemos presumir que aquelas regiões com nível de escolaridade mais avançada tenderão a ser mais “racionais” do que as outras, e saberão avaliar com mais propriedade o desempenho do governo, e logo votam “melhor”. Correto?
Errado. Trata-se de mais uma conclusão precipitada, fomentada por preconceitos de classe, que não resiste à mínima análise crítica. A verdade é que as necessidades e demandas de cada região do país são diferentes. Assim, o impacto de determinada política governamental poderá ser desprezível no sul, e monumental no norte e no nordeste. Qual o efeito disso nas eleições? Os eleitores das regiões mais desenvolvidas, que se sentem menos favorecidos, se inclinam para a oposição; e os eleitores das regiões menos desenvolvidas, que estão recebendo mais benefícios do governo, naturalmente seguem votando na situação. Não há, portanto, qualquer diferença significativa entre os processos de tomada de decisão de cada grupo. Não há nenhum “melhor” do que o outro. O eleitor do sul-sudeste pode se achar moral e intelectualmente superior – percebemos que muitos “formadores de opinião” se acham mesmo. Mas seu próprio discurso revela sua ignorância, ou má fé: o que pretendem (sem grande sucesso, até o momento) é cooptar outros eleitores para que votem contra seus próprios interesses e benefícios, e em favor dos "mais esclarecidos", dos "que sabem o que é melhor pra eles". Isso, sim, seria irracional.
“Tudo bem, até aí, faz sentido. Mas continuo achando que tem coisa errada! É impossível que não tenha gente mais honesta e preparada do que esses políticos que seguem ganhando eleição após eleição!”
Sim, tem muita coisa errada. Mas nada que se possa resolver apenas digitando números diferentes na urna eletrônica, por mais que seja tentador acreditar nesse atalho. Apenas para começar a pensar, um dos problemas do sistema eleitoral-representativo (que por aqui costumam apelidar de democracia) é que o eleitor só pode votar naqueles que conseguem se apresentar como candidatos. Voltaremos ao assunto em breve.


domingo, 9 de fevereiro de 2014

Foi só pelos vinte centavos mesmo?


Texto escrito por RAFAEL NOGUEIRA

Essa é a pergunta que está martelando em minha cabeça: Será que todo aquele movimento popular foi somente pelos 20 centavos mesmo? Eu não fui pras ruas só por isso.


Cadê os cortes nos gastos públicos?Cadê a redução de salários dos Deputados, Senadores e Vereadores?Cadê a reforma política?Cadê a reforma tributária?Cadê o transporte público de qualidade? Precisamos repensar toda nossa forma de mobilidade urbana, nosso sistema viário urbano é arcaico. E nisso eu sempre indago sobre a dignidade do trabalhador brasileiro.
E o Renan Calheiros, continua lá? Por que muitos condenados como ele, continuam impunes? Só no Brasil. Sobre Corrupção com dinheiro público ser crime hediondo... Não tocaram mais nesse assunto, não foi? 
Ah! O fim do foro privilegiado... Fora mencionado?
Só para lembrar, a PEC 33 ainda está em tramitação. Por falar em PEC, lembram do que se tratava a PEC 37? Não vale olhar no google.
Eu de fato acredito que o povo não foi às ruas apenas pelos 20 centavos. Embora ainda veja que precisamos sempre relembrar os principais motivos de todo aquele movimento.
Mesmo assim tem essa pergunta que não me sai da cabeça: SERÁ QUE FOI SÓ PELOS 20 CENTAVOS MESMO?


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Sobre postes e cadeados de bicicleta


(Justiceiro desenhado por Alonso Espinoza, em Deviantart)

Os melhores tempos são aqueles em que vivemos. E os piores também. As duas afirmações são, por óbvio, verdadeiras, por mais que o mundo se esforce para nos convencer de que apenas a segunda é válida:




Como de hábito, a reação de parte da sociedade aos fatos se revela mais chocante do que os próprios fatos. Eu sei, “não leia os comentários”. Mas parece que está cada vez mais difícil não saber das coisas. Então, meio sem querer acabamos descobrindo que o homo brutus, que ainda pensa ser sapiens, praticamente ignorou a morte da policial, comemorou a chacina no morro, e rejubilou-se com a tortura praticada contra o menor infrator.

Naturalmente, essas reações ensejaram uma série de debates entre os cidadãos "de bem” e o “pessoal dos direitos humanos”. Como se os direitos humanos fossem do “mal”. Essa parte é muito complicada pra minha cabeça, então vou evitar anos de psicoterapia e simplesmente aceitar que algumas pessoas admitem a aplicação de uma boa dose de brutalidade para defender o que elas consideram correto. Vou me abster de julgamentos morais sobre isso, até porque a internet já está repleta deles. Depois, devem ter sido até românticas aquelas épocas em que o homem vivia no fio da espada, ou embalado pelos trovões de um Colt 45. Quem não gostaria de voltar a esses bons tempos?

Mas, enfim, deve haver algum motivo racional para que fuzilamentos e torturas causem êxtase nos cidadãos “de bem”. E o único que posso imaginar, fora o simples sadismo, é a crença de que esse tipo de repressão poderá inibir a criminalidade e, eventualmente, fazer com que nossas cidades se tornem mais seguras. Foi pelo menos o melhor significado que consegui extrair de argumentos profundos e eloquentes do tipo “tá com pena, leva pra casa”.

Como não estamos a fim de discutir preliminares, vamos abraçar o maquiavelismo e partir logo para os fins. Por mais que pareça estranho tentar apagar um incêndio com gasolina, será possível que uma repressão mais violenta possa reduzir a criminalidade?

Infelizmente, não existem (ou, se existem, não encontrei) pesquisas ou dados oficiais que relacionem a ação de justiceiros com a variação dos índices de criminalidade. Talvez porque essas ações também sejam classificadas como crimes. Mas há estudos que associam o endurecimento da repressão e das sanções estatais com os índices de criminalidade. Vejamos alguns exemplos:

- Nos Estados Unidos, em 2004, a taxa média de homicídio nos estados que aplicavam a pena de morte era de 5.71 por 100.000 habitantes, contra 4.02 por 100.000 habitantes nos estados que não a aplicavam;

- Na Califórnia, a média de crescimento anual de homicídios dobrou nos anos em que foi praticada a pena de morte;

- No Canadá, a taxa de homicídio decresceu 44% nos 27 anos posteriores à abolição da pena de morte, entre 1975 e 2003;

- Na Baviera, a taxa de homicídios caiu de 16,4 para 9,41 (por mil habitantes) após a extinção da pena de morte;

- No Brasil, a taxa de crimes hediondos segue em tendência de alta desde a década de 90, inobstante o agravamento das sanções e dos regimes prisionais impostos pela Lei 8.072/1990 e o crescente aumento da população carcerária.

Portanto, o aumento do rigor penal não cumpre o desejado papel de reduzir a criminalidade. Ao contrário, quando o Estado atinge o máximo grau de punibilidade – a pena de morte – o efeito é uma brutalização ainda maior dos crimes.

Para quem não acreditar nessas conclusões, ou quiser se aprofundar no assunto, inclusive tendo acesso a mais dados, recomendo a leitura dos seguintes artigos:





Então, se você descobriu que sente prazer vendo adolescentes acorrentados a postes, aproveite. Ainda não é coisa que se veja todo dia, pelo menos não na zona sul da cidade maravilhosa. Mas não alimente a ilusão de que isso tornará as ruas mais seguras. Na verdade, só aumentam as chances de que você seja o próximo a ter um cadeado de bicicleta em volta do pescoço.

"Para toda ação existe uma reação de força equivalente em sentido contrário". 
(Newton, Isaac)

"Em tudo, faça aos outros o que você quer que eles lhe façam; 
nisto se resumem a lei e os profetas." (Cristo, Jesus, in: Mateus 7:12)

BIILY, GET YOUR GUNS!! (Bongiovi, John Francis)



sábado, 1 de fevereiro de 2014

Por que eu pago tanto imposto?


É uma questão muito simples. Aqui no Brasil, há somente duas respostas possíveis:

Resposta número um: Não é bem assim. Na verdade, você paga menos do que deveria. E eu no seu lugar não estaria reclamando, vai que mais gente descobre.

Resposta número dois: Porque você é pobre.

Como assim, menos do que deveria? E todas essas notícias, dizendo que a carga tributária brasileira é altíssima? E você ainda me diz que tem gente saindo no lucro? Duvido!

Vamos aos fatos, então. A carga tributária bruta no Brasil (Arrecadação/PIB), nos anos de 2012 e 2013, oscilou em torno dos 36%.

O número realmente é alto, se comparado com os índices de países em estágio similar de desenvolvimento. Na América Latina, hoje, só a Argentina tem uma carga tributária maior que a brasileira, superando os 37%.

Vamos então, sem grandes preocupações de rigor científico, estabelecer a primeira premissa: a carga tributária brasileira é alta mesmo.

Para firmar as outras premissas, precisamos mirar os países da OCDE

Em 2009, os Estados Unidos (que adotaremos como modelo) tinham a terceira menor carga tributária do grupo, em 24%, superando apenas México e Chile. Uma das menores, se não a menor carga tributária dos países desenvolvidos, considerando que México e Chile não estão no mesmo patamar das outras economias da OCDE.

Com essa informação, estamos prontos para definir mais algumas premissas:

Ø A carga tributária dos Estados Unidos, é, no mínimo, adequada. Com certeza, mais justa do que a brasileira.

Ø  Seria bom se nossa própria carga tributária despencasse uns 10 pontos percentuais, alcançando o nível da dos norte-americanos.

Foi também com dados de 2009 que o IPEA elaborou um estudo da carga tributária brasileira x renda familiar, utilizando os dados da PNAD. Na época nosso índice bruto era de 34%, próximo o bastante dos atuais 36% para os efeitos da análise que faremos.

O caso é que houve um estudo idêntico nos Estados Unidos, mesmo ano base: 2009. Vamos comparar os resultados das pesquisas, classificando as faixas de renda de “E” (a menor) até “A”, no eixo horizontal, e formando o eixo vertical com os índices da carga tributária. As classificações do eixo horizontal não correspondem exatamente às divisões de classe social adotadas atualmente no Brasil, mas isso não atrapalha nossa análise, pois o que importa é o movimento das linhas e o seu ponto de encontro.


Observem: as linhas se cruzam num ponto em que a renda média dos norte-americanos está na faixa dos $ 5.000,00, e a dos brasileiros, em torno dos R$ 10.000,00. Ou seja, quando atingimos o padrão da classe média “diferenciada”.

O que o gráfico está dizendo, ou melhor, gritando?

- Nos Estados Unidos a carga é progressiva, aumentando à medida que aumenta a renda familiar;

- No Brasil é regressiva, se reduzindo à medida que aumenta a renda familiar.

Assim, um brasileiro com renda familiar acima de R$ 10.000,00 está sujeito a uma tributação menor aqui do que nos Estados Unidos. Isso, mesmo considerando que a nossa carga  bruta é bem mais alta: 34% x 24%! Claro, mais alta na média, mas não para todos: na classe “A”, o placar é de 30% para os Estados Unidos, 26% para o Brasil.

Se de repente nosso sistema tributário fosse modificado para emular o norte-americano, teríamos uma bela redução de tributos. Porém, as pessoas com renda familiar acima de R$ 10.000,00 passariam a pagar mais, e não menos impostos. 

Logo, a grande distorção do sistema, mais relevante até do que o tamanho da carga, é o fato de que tem gente pagando menos do que deveria, se tivéssemos um sistema justo e racional. E esse pessoal que paga menos não é quem mais pede reforma tributária? Será que, de forma altruísta, vão se oferecer para acertar as contas?

Opa, um instante. Eis que surge o bem informado leitor assíduo de certa revista semanal que, por coincidência, tem o mérito (ou seria sorte?) de ter nascido numa família abastada, e protesta:

“Essa comparação não é justa! Podemos até pagar, proporcionalmente, um pouco mais. Só que o retorno dos impostos pra sociedade lá é muito maior do que aqui!”

Sério? E quem precisa mais da ação efetiva do Estado, os mais pobres ou os mais ricos? Não é difícil concluir que, novamente, a conta mais cara e mais amarga sobra para o andar de baixo. Sobra para quem já é tungado por um sistema tributário perverso, que consome 50% da sua renda para “compensar” cobrando menos de 30% dos poucos bem afortunados. E, na maioria das vezes não tem acesso sequer aos serviços públicos essenciais: saneamento, saúde pública, transporte, educação, energia elétrica. Lazer, então? Pra que lazer? Esse povo tem mais é que trabalhar!

A característica regressiva do nosso sistema tributário é mesmo exótica. Contraria a Constituição, onde está escrito que os impostos, sempre que possível (opa, quem foi o sacana que colocou essa expressão no texto?) deverão ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Contraria a boa prática capitalista, como prova o exemplo dos Estados Unidos. Contraria as práticas do Welfare State, pois os países escandinavos, claro, também adotam um sistema progressivo. Evidentemente, essa leniência com o grande capital também não deve ter sido inspirada em Marx. 

Para quem serve, então, esse sistema? Só pode servir mesmo pro Brasil!

Principais referências: Citizens for Tax JusticeIBPT, e o excelente blog O caderno de Patrick.