No documentário “Requiem for the American Dream”, o
intelectual norte-americano Noam Chosmky passeia pela história dos Estados
Unidos, demonstrando, com certa melancolia, que o “sonho americano” está
sucumbindo. Segundo Chomsky, aquele país das décadas de 60-70, em
que um operário possuía um padrão de vida confortável, em que os filhos desses
operários tinham uma boa educação, a terra que os ianques idolatravam como o
berço da democracia e das oportunidades, está se tornando uma lembrança.
Chomsky acredita que a escalada da desigualdade social é responsável
por ferir de morte o “sonho americano”. A concentração cada vez maior de
riqueza, porém, não decorreria da incompetência dos políticos, nem de crises
cíclicas do sistema, tampouco de guerras, epidemias ou outros fatores
imprevisíveis. Antes, seria o resultado esperado do controle das decisões
políticas por interesses hegemônicos, cuja atuação se revela nos “Dez
princípios para concentração de riqueza e poder”:
1. Reduzir a democracia;
2. Moldar a ideologia – macarthismo, alguém se lembra?
3. Redesenhar a economia, privilegiando o rentismo;
4. Deslocar o fardo – aumentar a regressividade da tributação,
para que os ricos contribuam proporcionalmente menos que os pobres;
5. Atacar a solidariedade;
6. Controlar os reguladores;
7. Controlar as eleições;
8. Manter a ralé na linha – criminalizar ou desacreditar
movimentos populares, sindicatos, e qualquer outra força com potencial
democratizante;
9. Obter consentimento para a produção – “fabricar
consumidores”;
10. Marginalização do povo – incapaz de influenciar
verdadeiramente as decisões políticas, a população perde a fé nas instituições
e assume posições extremistas. Grupos rivais se atacam mutuamente, e as
relações sociais se corroem com rapidez.
Ah, depois de ler os dez princípios, parece que ele está
falando do Brasil? Pois é. Mas é ainda pior: se nos Estados Unidos a luta é
para manter direitos, para preservar um “sonho”, aqui tudo concorre para
perpetuar vícios que causam pesadelos desde a época colonial.
Sempre estranhei pessoas que defendem ferozmente ideologias contrárias aos seus legítimos interesses, e ainda
racionalizam tais comportamentos, quase sempre recorrendo a ameaças
imaginárias. Já identifiquei “n” espécimes peculiares, como o “latifundiário de
100 metros quadrados”, feliz proprietário de um apartamento de dois quartos (financiado),
que nunca teve um alqueire de terra, mas morre de medo do MST e da reforma
agrária; o “camelô de Wall Street”, que mal consegue pagar as contas e nem sabe
o que é SELIC, IPCA, LTN, ON, PN, debêntures e dividendos, mas fica horrorizado
toda vez que a bolsa de valores “cai” e o “Brasil fica mais pobre"; o “eu quero
ser um milionário”, que anda de carro popular e baba de ódio quando ouve falar
em impostos progressivos sobre renda e patrimônio, mas sustenta bovinamente as
benesses dos magnatas suportando uma carga muito maior do que deveria em
impostos indiretos.
Hoje percebo que os avaliei mal, com excessiva severidade.
Assim como os habitantes da caverna de Platão, eles só podem viver no mundo que
conhecem, e sua visão, desde sempre, é obscurecida por sombras habilmente
tramadas. Continuariam sendo marionetes, se pudessem ao menos enxergar as
próprias cordas?
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