quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Sobre ontem à noite


O primeiro debate entre os presidenciáveis pode não ter alterado muito a percepção do eleitor no tocante à qualidade dos nossos políticos. Mas mostrou, pelo menos, uma elogiável diversidade. A se julgar pelas imagens que os candidatos tentaram transmitir, há opções de voto para todos os gostos.
Temos um mauricinho de família tradicional, posando de liberal clássico, falando em segurança e previsibilidade. Falha da produção (aliás, quanto será que ganham esses assessores de campanha?), pois nada mais seguro e previsível do que continuar com quem já está lá. Conclusão lógica que foi reforçada pelas falas da candidata à reeleição, que insistiu em mirar o passado para pregar a continuidade dos programas sociais e vender o seu modelo de Estado desenvolvimentista e proativo. Além, claro, de comparar das gestões do seu partido com as do rival, embate que a essa altura já ganhou mais reprises que os filmes oitentistas da Sessão da Tarde. 
Quando tudo parecia muito chato na primeira fila, eis que surge a esquerda hippie roubando a cena. O porta-voz dos verdes abriu o debate clamando pela legalização da maconha e encerrou citando Gandhi, Tolstoi e John Lennon. Ao longo do caminho atirou para todos os lados, chamando à luz temas que os “grandes” candidatos não querem discutir, como aborto, reforma política e auditoria da dívida pública.
Para quem o achou moderado, tivemos também a candidata que incorporou (de forma equivocada, a meu ver) a esquerda raivosa. Remoendo suas antigas picuinhas com o PT, apontando o candidato pastor como responsável pela violência homofóbica, e mesmo nos seus melhores momentos, quando apontava para o alvo perfeito (condenando a eterna subordinação dos nossos governos aos interesses do capital), sempre pareceu mais disposta a destruir do que a construir. Não à toa, terminou o debate levando um “pito” do candidato do PV, após entregar de bandeja para o oponente o bordão paz e amor. Se Luciana parecia pronta para sacar uma espingarda, tudo que Eduardo Jorge queria era deixar o palco cantando “Imagine”. Quem diria, conseguiu.
Claro, o quadro não estaria completo sem uma dupla de ultraconservadores ignorando tudo que a sociedade evoluiu desde o século XIX (com boa vontade, quiçá eles estejam mais para o século XV). E que modo melhor de fechar um debate presidencial do que declarando ter orgulho de ser retrógrado? Mas que bom, afinal, precisamos respeitar as diferenças. Quem sente “saudades” dos valores da Idade Média também merece ter um candidato para votar. E acabou ganhando dois!
Então, temos todas essas opções. E, claro, também temos Marina, renascida das cinzas de um avião despedaçado na cidade de Santos. E quem seria Marina?
Ela é a pregadora da “nova política” que promete acabar com a polarização PT-PSDB convocando para junto dela o PT e o PSDB. É a evangélica fervorosa que vai garantir o direito de sermos ateus. É a ex-ministra controversa, taxada de intransigente, que chegou aos estúdios em transe zen, como se saída de uma sessão de doze horas com o Mestre Yoda. É a candidata que critica Dilma, mas reverencia Lula. Que trata Aécio com a indulgência que dedicamos a uma criança levada, mas afaga FHC. É a ambientalista que vai impulsionar o agronegócio. É a militante histórica de esquerda que agora anda de braços dados com grandes capitalistas. É a “segunda via” da direita que já começa a ser chamada de “risco” e “aventura” pelos opositores que brotam de todos os lados. Como são tolos, não percebem que às vezes uma aventura é tudo que alguém pode querer. Ela é o tudo e o nada (obrigado por essa, Paulo e Raul!).
Pois é, não sei quem é Marina Silva, nem o que ela realmente pretende fazer. Mas creio que ela saiba muito bem para onde está indo. E, pelo que vimos na noite de ontem, parece ser aquela que tem o melhor plano para chegar lá. Ou teria apenas 12% de um plano? De um modo ou de outro, não vai demorar muito para descobrirmos.


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Mentes que brilham (Parte 1)


Logo que se iniciou a campanha eleitoral, tive uma ideia luminosa: ler as propostas dos candidatos a Presidente, resumi-las e compará-las. Desisti do projeto quando vi que havia textos de quase 80 páginas, a maioria das quais não dizia nada.
Claro que a ideia não era tão ruim, a falha estava na execução. Embora a sabedoria popular indique que remédios amargos devem ser tomados de uma vez só, concluí que melhor seria abordar um tema por vez. E o primeiro foi escolhido por conta da boa repercussão do texto “Com mérito”: cotas étnicas.
Embora o assunto desperte polêmica, a pesquisa de opinião mais recente que encontrei já é antiga, de janeiro de 2013. Segundo o IBOPE, naquele momento 64% dos brasileiros aprovavam a existência das cotas para negros nas universidades públicas.
Assim, tendo em mente o resultado dessa pesquisa, vamos às propostas dos presidenciáveis. Citá-los-ei exatamente na ordem em que aparecem no sítio do TSE, onde as propostas de governo estão disponíveis para leitura.
O candidato que pretende liderar a oposição preparou um documento de 76 páginas. De fato, ele tem muitas ideias. Ainda bem que existe o comando “localizar”. Fui direto para a página 16, onde está o que nos interessa:
Defesa e manutenção das ações afirmativas de inclusão social, 
inclusive cotas, em razão de raça.
A candidata à reeleição escreveu menos no geral e mais sobre cotas. Tanto divulgando o que afirma já ter feito como o que ainda pretende fazer. Vamos focar nas propostas para o futuro, que estão na página 21:
Temos o desafio de tornar realidade a Lei de Cotas no serviço público federal, 
sancionada em junho de 2014, garantindo-lhe a mesma efetividade já 
alcançada pela lei de cotas nas universidades públicas.
Segue o jogo. Assumiremos que a candidata de última hora manterá a proposta da chapa original. Ei-la:
Reforçar políticas de igualdade racial, inclusive a manutenção das cotas, como parte de um processo de restauração do equilíbrio aos desequilíbrios históricos contra as minorias.
Na mesma linha, o pessoal do “contra burguês, vote 16”:
O PSTU defende uma política de combate ao racismo e de compensação ao povo negro, como a ampliação do sistema de cotas nas universidades e serviços públicos.
E, para finalizar, o enigmático posicionamento do candidato do Partido da Causa Operária, o popularíssimo PCO:
“Não será através de políticas e ações afirmativas que a população negra acabará com a opressão racial, mas somente por meio da luta política capaz de destruir o estado burguês no processo revolucionário pela construção do socialismo.”
Não localizei citação às cotas ou ações afirmativas nas propostas divulgadas pelos outros candidatos. Talvez eles tenham tratado do assunto indiretamente, ou sem usar as palavras-chave que selecionei. Nesse caso, duvido que tenham adotado posições claras o bastante para que pudéssemos analisar. Logo, ficam fora deste artigo.
Falando em clareza, vamos tentar decifrar o intrincado pensamento do PCO. Políticas em benefício dos menos favorecidos seriam métodos de controle das massas. O oprimido, ao ser contemplado com alguma benesse, se sente menos oprimido. Sua insatisfação e revolta diminuem, ante a possibilidade de inclusão social. Se o sistema está trabalhando em favor dele, por que derrubá-lo? O ideal, portanto, é negar as ações afirmativas, perpetuar a exclusão, até que não reste alternativa aos excluídos senão o levante revolucionário. Tomar o Estado. Mas... para quê? Para adotar políticas de combate à opressão e à desigualdade, imagino. E não seriam justamente essas as motivações das ações afirmativas? Parece que atingimos uma referência circular. Confuso, não é? Talvez defender teses que demandam um raciocínio tão labiríntico seja um dos motivos pelos quais eles não conseguem muitos votos.
As outras propostas parecem semelhantes, todas favoráveis às cotas. Mas se prestarmos atenção às escolhas das palavras, perceberemos sutis diferenças.
O único partido a afirmar categoricamente que irá ampliar o sistema é o PSTU. Curiosamente, sua justificativa é a mesma adotada pelo PSB para manter as cotas, compensação histórica. Tenho dificuldade para aceitar essa “compensação”. OK, eu, o Estado, chancelei o tráfico humano, a escravidão e a tortura dos seus ascendentes. Se agora deixarmos vocês furarem umas filas de vez em quando, podem nos perdoar?
Justificativas a parte, vamos deixar o PSTU para trás (onde eles ficam mesmo ao fim das eleições) e pensar em duas palavras utilizadas tanto pelo PSB, como pelo PSDB: manutenção e inclusive.
Manter significa deixar como está. Logo, esses partidos, embora na oposição, avaliam que neste particular os caminhos adotados pelo governo são satisfatórios e devem ser mantidos, inclusive em relação às cotas raciais. Para mim soou como “Tudo bem, vamos deixar assim, deixamos até essas cotas em razão de (?) raça.” Ah, se fosse eu o redator, pelo menos substituiria “raça” por etnia.
Vamos relevar essa pequena imprecisão semântica, pois temos palavrinhas reveladoras também na proposta da candidata oficial. Se os oposicionistas pisam em ovos para concordar com qualquer coisa que o atual governo tenha feito, quem está no governo precisa tomar cuidado a cada proposta que apresenta. Afinal, se está falando que vai fazer agora, por que não fez antes?
Assim, considerando as particularidades inerentes à construção de cada discurso, e levando em conta apenas o que se escreveu sobre as cotas, parece que o PT contratou redatores melhores. A Presidente não apresenta uma simples proposta, se declara diante de um desafio, que é de reproduzir a efetividade, ou seja, o sucesso, que afirma já ter alcançado em outra iniciativa semelhante. Já fizemos nas universidades, e agora faremos no serviço público, mas não pensem que será fácil. Se fosse fácil, já teríamos feito. Será um desafio.
No fim das contas, seja por realmente acreditarem na proposta, ou por não quererem desagradar mais de 60% do eleitorado, tudo indica que, qualquer que seja o candidato vencedor, não teremos o fim das cotas étnicas. E nem considero isso um problema, afinal, o mínimo esperado numa democracia é que as decisões dos governantes estejam de acordo com os anseios da população.
Qual é então a face riscada da moeda? O fato de nenhum candidato parecer disposto a fomentar um debate sobre o tema, o que poderia levar ao seu aperfeiçoamento – por exemplo, com cotas sociais, cotas mistas, ou ações afirmativas diferentes de simples cotas. Se o povo está aceitando bem pão seco, para que se dar ao trabalho de fabricar manteiga?


quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Antes de partir



É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã...”

Porque um dia, qualquer dia, não haverá mesmo. Ingenuamente, fingimos acreditar que morremos um pouco a cada dia. Acompanhamos nossas taxas de colesterol, analisamos projeções de expectativa de vida, fazemos planos para o futuro. Tentamos esquecer que a morte nem sempre é paciente. Não satisfeita em ser inevitável, ela também se dá o direito de ser inesperada. Pode agir lentamente, degradando nosso corpo com a passagem do tempo e o acúmulo de doenças, ou tão rápido como a explosão de uma bomba, breve e seca como o estalo de um pescoço se quebrando.
O ditador russo Stalin dizia que a morte de uma pessoa é uma tragédia; a de muitas, estatística. Por mais que queiramos negar a cínica verdade contida nessa maléfica afirmação, ela se prova com deprimente frequência. Assistimos em tempo real a guerras que mais parecem jogos de videogame, com a diferença, claro, de que, em algum lugar do mundo, as pessoas estão morrendo de verdade.
Segunda-feira, 11 de agosto de 2014. Quarta-feira, 13 de agosto de 2014. Dois dias não para esquecer, mas para nos lembrar de que, mesmo anestesiados pela violência cotidiana, uma singela morte ainda pode nos abalar.
Um avião cai em Santos. Sete mortos. Cada um tem sua própria história. Todos deixam familiares, pessoas amadas, e sonhos interrompidos. Mas hoje, e para sempre, este não será o acidente em que morreram sete pessoas. Foi e será a tragédia que vitimou o candidato à presidência Eduardo Campos.
Imagino, leitor, que esteja pensando que escreverei sobre Eduardo Campos. Mas não irei fazê-lo, e por um motivo simples: o que mais há agora é gente escrevendo e falando sobre Eduardo Campos. Biografias, depoimentos, crônicas emocionadas, projeções sobre as possíveis consequências da fatalidade na corrida presidencial (será hora disso, aliás?). Enfim, não falarei de Eduardo, até por duvidar que possa escrever algo diferente, ou melhor, do que muitas coisas que já estão postas, por escribas bem mais talentosos do que eu. Ao invés, tratarei de um tema em que não poderão me superar: eu mesmo, e as reflexões que me vieram ao longo do dia.
Pensei, sim, sobre o que pode acontecer nas eleições. É inegável que o acaso pode mudar, mais uma vez, os destinos do nosso país e, por tabela, de nossas próprias vidas. Vislumbrei, de relance, a visão de futuro com que Eduardo devia sonhar, e que se foi com ele. Mas o que realmente invadiu meus pensamentos, e deles teima em não sair, é que uma criança de seis meses não se lembrará de ter conhecido o pai.
Sim, ele deixou mais quatro filhos. Sim, as outras vítimas também deviam ter filhos. Não!, as vidas de pais, mães e filhos são ceifadas aos montes, todos os dias, no mundo todo, por nada. Mesmo sabendo de tudo isso, sigo pensando nessa criança específica, que perdeu seu pai. Por quê?
Parte da resposta me veio facilmente. Porque também sou pai, lógico. Um pai cheio de defeitos: perco a paciência, às vezes sou indulgente, outras, duro demais. Dou maus exemplos, e até alguns bons. Mas, no fim de cada dia, sei que o mais importante é que eu estou aqui, com eles. Sempre estou, e no que depender de mim, sempre estarei. E, sem ter conhecido Eduardo, acredito que ele também pensava assim. Até que, de repente, não mais que de repente, não dependia mais dele. E acho que devo dizer obrigado, por ter sido forçado a lembrar do que quero esquecer, que um dia também poderá não depender de mim.
Mas, como já havia antecipado, isso é apenas parte da resposta. O resto dela, ainda mais óbvio, só se revelou para mim enquanto eu escrevia este texto. Penso em Miguel muito mais do que em Eduardo porque a morte só faz sentido para quem está vivo. E assim, percebi que não tenho nada a dizer sobre a morte. E que, se há algo que ela provoca em mim, é a vontade de agigantar minha vida.

Não por coincidência, as melhores palavras que me lembro de ter ouvido sobre a vida ecoaram de novo hoje, com a voz que se foi na segunda, 11 de agosto, saídas de um filme que assisti há mais de vinte anos. Carpe diem. Tornem suas vidas extraordinárias. Até lá, vamos viver. Porque se há remédio para a escuridão da morte, ele só pode ser a luz da vida. Façamo-la brilhar, enquanto podemos.


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Com Mérito


Há vinte anos, no último barraco do último beco da favela mais pobre e violenta do Rio de Janeiro, nasceu João. A equipe médica tinha apenas uma pessoa, que jamais se sentara num banco de escola, mas que conseguiu trazer ao mundo o próprio bebê.
No mesmo dia, na mesma cidade, a poucos quilômetros do primeiro cenário, num iluminado quarto de um hospital cinco estrelas, cercado de médicos, enfermeiros e fotógrafos, nasceu Luiz. 
Se nossos personagens simplesmente seguissem os caminhos que pareciam traçados desde seu nascimento, jamais se encontrariam. Mas suas trilhas acabaram se cruzando num ponto inesperado: como alunos da mesma Universidade. Luiz, primeiro colocado no concurso de seleção, para grande orgulho de seus pais; João, ocupando uma vaga reservada por meio de ação afirmativa. Sua mãe não entendia bem o que significava entrar para uma Universidade, mas pela reação do filho, achou que era uma coisa boa, e ficou feliz por ele.
Mas para João ainda não era tempo de celebrar. Sabia que terminar o curso seria muito mais difícil do que iniciá-lo. Por isso, quando surgiu a oportunidade de concorrer a uma bolsa de Iniciação Científica, agarrou-se a ela. Luiz, ansioso por construir um currículo irretocável, também se inscreveu.
O dia da publicação dos resultados guardava duas grandes surpresas para João. A primeira, ver o seu nome no edital, como um dos novos bolsistas. A segunda veio ao acessar o fórum de discussões do curso. Não era imune ao orgulho, e esperava que algum dos seus colegas o parabenizasse pelo feito. Em vez disso, deparou-se com a seguinte mensagem, assinada por Luiz Otávio:
“Estou absolutamente revoltado! Acabou de sair a lista de projetos aprovados para a iniciação científica, e adivinha? Tô fora!! E o pior nem é eu estar fora não, é que tem nome de cotista lá! O cara não devia nem estar na faculdade! Não satisfeitos em colocaram esse povo pra dentro, agora ainda estão dando mais vantagens? Tudo que eu queria era disputar de igual pra igual. Mas parece que isso é pedir demais nesse país de m..., que adora passar a mão na cabeça de coitadinho!”
João leu e releu o texto, até que se sentiu forçado a responder.
“Caro Luiz Otávio,
Meu nome é João Augusto, e sou o cotista que teve o projeto aprovado. Creio que nunca nos falamos antes. Na verdade, tenho quase certeza de que até que o meu nome aparecesse naquela lista eu era invisível para você, apenas mais um dos muitos que, como você escreveu, não deviam estar aqui. Lamento que não tenha conseguido emplacar seu projeto desta vez. Lamento ainda mais que nada do que eu tenho a dizer possa amenizar sua indignação.
Inicialmente, você se revolta com a minha presença na Universidade. Acha que eu não devia estar aqui. E tem razão. Afinal, nenhum daqueles que na infância chamei de amigos está. Volta e meia, ainda me pego pensando que eu devia estar com eles. Mas a maioria deles estão mortos, e ainda não quero morrer. Outros seguem vivos, flanando pelos mesmos becos e telhados em que brincávamos quando crianças. Mas agora seguram armas, ansiosos para se juntar aos que já se foram. Uns poucos, posso dizer que tiveram melhor sorte: estão limpando as ruas pra você e pros seus amigos, lavando seus carros, assentando os tijolos das suas casas. Eu sei, eu devia estar com eles. Mas decidi não estar, e acho que já cheguei muito longe para voltar atrás.
Depois, você reclama pelas mesmas vantagens que eu tive. Também não vejo como ajudá-lo nisso. Não posso voltar no tempo e transferir para você a ausência que herdei do meu pai, a miséria e desespero que choravam, todos os dias, nos olhos da minha mãe. Tampouco posso fazer com que sua pele ganhe a cor que brilha na minha, pois esta herdei dos meus ascendentes, que foram despejados aos montes nesse país, e nele sobreviveram entre correntes, estacas e chicotes. Eles sangraram muito para que eu chegasse até aqui, e essa é a única herança que aceito e da qual realmente me orgulho. Todas as outras que a vida tentou me dar, eu rejeitei antes, e rejeito agora. Não posso concedê-las a você, e mesmo que pudesse não o faria, porque não me atrevo a rejeitar um dos poucos ensinamentos que minha amada e iletrada genitora conseguiu me passar: o mal, não o desejamos a ninguém. Então, lamento novamente, mas é impossível competirmos em condições de igualdade. 
Finalmente, você se indigna por viver num país de med@. Estamos juntos nessa. Mas não vou passar a mão na sua cabeça. Vou apenas seguir lutando para que amanhã seja melhor do que hoje. Para que os meus filhos também possam cursar esta Universidade. E que, quando o momento deles chegar, ninguém lhes diga que este não é o lugar onde deviam estar.
Boa noite e boa sorte.”