segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Conta Comigo

Tem uma palavra martelando na minha cabeça há alguns dias: “pertencimento”. Palavrinha feia, até, mas que explica muito sobre o modo como levamos nossas vidas. Gostamos de estar com outras pessoas, de sentir que somos parte de algo maior. Por isso nos reunimos em comunidades, clubes, associações. Escolhemos times de futebol e partidos políticos.
Podemos encontrar explicações sobre esse comportamento nos mais variados ramos da ciência. Mas, entre a biologia e a metafísica, fico com Tom Jobim: é impossível ser feliz sozinho.
Essa noção de “pertencimento” me alcançou, não por coincidência, depois que escrevi sobre meu voto no segundo turno, e comecei a reparar em outros textos com o mesmo tema. Destaco o de Gregório Duvivier. Recomendo a leitura, mas já adianto a conclusão do autor: “Se quem defende causas humanitárias e direitos civis é chamado de petista, não me resta outra opção senão aceitar essa pecha.”
Pressionado a escolher um lado, Duvivier fez uma opção. Assim como eu havia feito, antes dele. Mas dicotomias quase sempre são falaciosas, e podem nos induzir a conclusões apressadas e falhas. Por isso, resolvi considerar uma segunda opinião, e analisar um pouco o grupo ao qual tinha decidido me opor.
Após isolar os casos crônicos  e potencialmente contagiosos de petefobia, identifiquei duas motivações razoáveis para o voto no candidato de oposição. Alguns acreditam, genuinamente, que com o PSDB no governo teremos mais crescimento econômico e, por conseguinte, um país melhor para todos. Outros não acreditam tanto nisso, mas acham importante a “alternância de poder”.
Discordo das duas premissas. Considero a primeira equivocada, e a segunda, ingênua. Mas admito a possibilidade de estar enganado. Sempre há uma chance, de sei lá, 0,01%. Em todo caso, estaríamos no campo das diferenças de opinião e de ideologia. Posso conviver com isso.
Não posso, porém, conviver com o discurso do ódio, tão difundido por aqueles que, imagino, não irão votar na “vaca”, na “fdp”, na “terrorista”.
Não posso concordar com pessoas que ignoram o profundo abismo social que ainda existe no Brasil e vociferam contra o “bolsa esmola”.
Não posso aplaudir o preconceito de classe, insuflado e escancarado de forma bizarra pelo ex-presidente, na sua indulgência com os brasileiros que vivem nos “grotões” e que não conhecem a Verdade, não por serem pobres, mas “mal informados”. Assina a Veja pra eles, sociólogo!
Não posso encarar como simples brincadeira, ou exercício da “liberdade de expressão”, manifestações vis e criminosas como essa: “70% de votos para Dilma no Nordeste! Médicos do Nordeste, causem um holocausto por aí!
Não posso me alinhar a quem trocaria todos os programas sociais do governo, que tiraram milhões de pessoas da fome e da miséria, por um descontinho no seu próprio imposto de renda e uma queda no preço do dólar, que lhes permita encher mais as bolsas na próxima viagem para Miami.
Não posso aceitar a homofobia, a intolerância e a incompreensão.
Não posso unir forças com quem sente “saudades” da ditadura militar. Com aqueles que querem enjaular, prender a postes ou assassinar crianças e adolescentes pobres, cujo maior pecado foi terem nascido do lado errado do Equador, no meio de um povo que acha mais cômodo sacrificá-los do que cuidar deles.
“Ah, mas eu vou votar no Aécio e não concordo com nada disso!”
Pela primeira parte, meus pêsames. Pela segunda, não faz mais do que a obrigação.
Acredito, mesmo, que a maioria dos eleitores do PSDB viva no século XXI e não comungue com essas ideias. Mas, após muito pensar, descobri que não conheço ninguém que concorde sequer com uma dessas sandices e vá votar em Dilma Rousseff. E que conheço muitas pessoas que vomitam periodicamente uma ou mais dessas besteiras, e todas votarão em Aécio Neves.
Não partilho da empáfia de FHC para afirmar que pensam assim porque seriam ignorantes, ou “mal informados”. Não me importo, na verdade, com os motivos. Apenas me reservo o direito de pensar diferente. E de afirmar essa diferença com firmeza, com absoluta convicção.
Sob essa perspectiva, fica fácil decidir. Olho para frente e vislumbro duas estradas. Acredito que uma delas conduz a um amanhã melhor do que hoje. A outra, direto para um passado ao qual não desejo retornar. Acredito, mas não tenho certeza. Talvez seja ao contrário, ou as duas levem ao mesmo lugar. Ninguém sabe, ninguém pode saber. Não até que aconteça. O destino é incerto. Mas, se há uma coisa que sei acima de todas as outras, é ao lado de quem desejo caminhar.



sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O lado bom da vida


Marina disse que anunciaria na quinta-feira sua posição no segundo turno, mas já mudou de ideia sobre isso. Lá nos fundos, o Pastor Everaldo continua defendendo o casamento entre homem e mulher. Em primeiro plano, a turma do bico amarelo segue se digladiando com os militantes da estrela vermelha. Porém, mesmo com tudo parecendo igualzinho, o futuro não é mais tão bacana como na semana passada. O elenco da novelinha mais legal de 2014 se reduziu a apenas dois personagens, e agora não tem jeito, vamos ter que assistir a um filme repetido.
Se há um ponto positivo, é que com apenas duas opções fica menos difícil escolher. E não vou ficar em cima do muro. Depois de pouco pensar, enumerei os motivos principais da minha escolha, que agora compartilharei com vocês. É uma lista singela, mas cada uma dessas coisas tornou a minha vida mais plena, divertida e luminosa nos últimos doze anos. Os motivos podem ser um tanto egoístas, reconheço; mas para quem não gostar deles, eu tenho outros. Sem mais delongas, portanto, apresento as dez coisas que aprendi a amar, ao ponto de não saber como viveria sem elas:
1.  Previsões regulares de hecatombes bíblicas, marcadas sempre para o “ano que vem”, ou, na melhor das hipóteses, para o próximo mandato presidencial. Se eles não transformaram isso aqui na Coréia do Norte até hoje, dos próximos quatro anos não passa!
2. O sentimento renovado de alívio, ano após ano, quando a tão esperada catástrofe não chega. O apocalipse zumbi, por enquanto, continua só em "The Walking Dead".
3. Olavetes e constantinetes se borrando de medo da “ameaça comunista”, da “revolução bolivariana”, e de praticamente qualquer coisa pintada de vermelho. Mesmo que seja uma ciclovia.
4. O compartilhamento em loop infinito do vídeo em que o Barbudão declara que sempre foi preguiçoso e nunca gostou de estudar. Quem pode ficar um dia sem ver de novo esse brilhante e inspirado discurso?
5. Lobão, Roger e Danilo Gentili promovidos a intelectuais, ícones do pensamento liberal. Imagina se voltássemos aos anos 80 no DeLorean de Marty McFly para anunciar que Lobão se tornará um filósofo, ainda por cima, de extrema-direita. Imponderável, inacreditável, fantástico.
6. A eternização dos efeitos benéficos das reformas mágicas do catedrático FHC, que continuam mantendo o país de pé até hoje.
7. As sentenças quilométricas e rocambolescas da Presidenta. Tudo bem que a Marina se expressa de forma ainda mais incompreensível, mas com muito menos classe. E, ademais, ela já foi jogada pra escanteio mesmo.
8. Como decorrência direta do item anterior, o advento da bem afortunada Patrulha em Defesa da Língua Portuguesa, sempre pronta a pegar no pé da estimada líder a cada erro de concordância. No tempo da minha avó, isso se chamava falta de serviço. Mas, com o excesso de benefícios assistenciais sustentando a população ociosa, hoje sobra tempo até pra isso.
9. O aumento do nível de exigência da sociedade, evidenciado na crescente revolta de pessoas que andam de carro zero, viajam pro exterior duas vezes ao ano, mas vivem reclamando que o país está no buraco.
10. A manutenção dos baixos índices de desemprego. O que fariam, em um novo governo, esse monte de colunistas que ganham a vida só falando mal do PT? Veríamos um fechamento generalizado de revistas, sites, jornais, pela falta absoluta do que publicar. Acho que nem na época da ditadura tivemos uma ameaça tão iminente aos nossos veículos de mídia.
Enfim, malgrado meus vieses pessoais, não creio que a nossa sociedade esteja preparada para abandonar a petefobia. Ou, de repente, sou apenas eu não querendo ficar sem toda essa diversão. Mas, seja pela minha própria felicidade ou pelo bem geral da nação, já resolvi que no dia 26 vou sair de vermelho.


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Um domingo qualquer

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No próximo domingo, 05 de outubro, não vamos ao Maracanã. Mas um navegante desavisado, ao conferir as manifestações nas ruas e redes sociais, bem poderia achar que essas siglas com “P” são de times de futebol, tal o fanatismo que alguns empenham na defesa dos seus candidatos – ou, até com mais frequência, no ataque aos outros.
Embora não tenha a mínima intenção de entrar nessa, até por nenhum candidato me empolgar ao ponto de provocar esse nível de engajamento, acho até positivo que as pessoas manifestem suas preferências. Há, porém, uma série de coisas que me incomoda no modo como isso acontece em período eleitoral.
O primeiro é o já citado “futebolismo”. Não é política, estúpido, são eleições. A quase totalidade das pessoas que se manifesta nessa época não está disposta a debater sobre nada. Querem apenas falar bem dos seus candidatos e mal dos outros. Agem, assim, do mesmo modo que os políticos cujas práticas atacam: vale tudo, desde que seja pro meu preferido vencer. Porque ele é muito melhor que os outros e, com ele, agora vai.
Não descarto a possibilidade de que essas pessoas, que às vezes parecem estar babando de fúria ao discutir “política”, estejam com as melhores intenções. Que realmente acreditem no virtuosismo dos seus eleitos, e depositem neles a esperança de uma retumbante redenção para o nosso tão castigado país. No fundo, gostaria de acreditar nisso também. A vida seria bem mais fácil, eu sairia compartilhando dezenas de memes no facebook e no domingo iria todo feliz para a maquininha, apertar “xx”. Mas o realismo ingênuo, infelizmente, ainda não conseguiu me capturar ao ponto de eu ter absoluta certeza sobre nada. Assim, sou incapaz de replicar certos comportamentos e sair afirmando que quem vota no candidato “b” é idiota, quem vota no “c” só pode ser alienado ou corrupto, e coisas desse tipo. Para aqueles que vivem bem com essas certezas, vou sugerir o oposto do que certa candidata sugeriu a um comediante que se acha intelectual: não estudem. A ignorância é uma benção. Mas, se não tem a mínima ideia do que é esse tal “realismo ingênuo”, e quiserem entender um pouquinho, sugiro que iniciem por esse texto, Dysrationalia e os vieses da razão.
Passo ao largo, portanto, tanto do fanatismo como da ilusão. Não deixo de ter, claro, predileção por alguns candidatos, maior aversão por outros. Mas não enxergo, principalmente nos postulantes à Presidência com chances reais de serem eleitos, diferenças tão grandes que me façam acreditar, nem por um momento, nas profecias do apocalipse da oposição, nem no futuro brilhante prometido pelos governistas. O que acredito é que o futuro do país depende muito mais do que faremos, como sociedade, do que dos números que apertaremos na maquininha. E dessa crença decorre o principal motivo do meu incômodo com a transformação da política em Fla x Flu. 
Não se preocupem militantes, não é um incômodo nível Levy Fidélix, não acho que vocês tenham que se tratar numa ilha. Ao contrário, gostaria é que continuassem dando as caras, demonstrando essa disposição também fora do período eleitoral. E, talvez, com os ânimos menos inflamados, direcionassem a energia não só para defender um ou outro partido, mas para atuar politicamente de verdade. Discutindo ideias, e não batendo boca. Participando de associações de classe, de ONGs, até de partidos políticos, se tiverem estômago. Fiscalizando a atuação dos políticos que elegemos. Acompanhando as contas públicas. Combatendo a corrupção e os maus hábitos no cotidiano, em vez de apenas compartilhar denúncias de “escândalos”. Abraçando bandeiras universais, como os direitos humanos, o combate à intolerância e ao preconceito. Enfim, fazendo qualquer coisa que tenha a mínima probabilidade de ser construtiva. Até escrever num blog vale. :)
Sinceramente, desejo que isso aconteça muito mais do que “torço” pela vitória de qualquer candidato. Mas, como caí na besteira de escolher a pílula vermelha, sei que não é assim que vai ser. Até domingo, e depois, havendo segundo turno, as pessoas continuarão enxergando anjos e demônios. Pouco depois, irão tomar conta das próprias vidas, até as próximas eleições, quando elegerão novos salvadores da pátria.
Pois, para mim, esse domingo não será muito diferente de qualquer outro. Sim, o que for decidido no domingo valerá pelos próximos quatro anos. Mas não importam os nomes que saiam daquelas urnas, não é neles que está o poder de transformar o país e melhorar as nossas vidas. Só nós podemos fazer isso. Mas dá muito trabalho, então, é melhor ficarmos brigando uns com os outros a cada quatro anos.