Tem uma palavra martelando na minha cabeça há alguns
dias: “pertencimento”. Palavrinha feia, até, mas que explica muito sobre o modo
como levamos nossas vidas. Gostamos de estar com outras pessoas, de sentir que
somos parte de algo maior. Por isso nos reunimos em comunidades, clubes,
associações. Escolhemos times de futebol e partidos políticos.
Podemos encontrar explicações sobre esse
comportamento nos mais variados ramos da ciência. Mas, entre a biologia e a
metafísica, fico com Tom Jobim: é impossível ser feliz sozinho.
Essa noção de “pertencimento” me alcançou, não por
coincidência, depois que escrevi sobre meu voto no segundo turno, e comecei a
reparar em outros textos com o mesmo tema. Destaco o de Gregório Duvivier.
Recomendo a leitura, mas já adianto a conclusão do autor: “Se quem defende
causas humanitárias e direitos civis é chamado de petista, não me resta outra
opção senão aceitar essa pecha.”
Pressionado
a escolher um lado, Duvivier fez uma opção. Assim como eu havia feito, antes
dele. Mas dicotomias quase sempre são falaciosas, e podem nos induzir a
conclusões apressadas e falhas. Por isso, resolvi considerar uma segunda
opinião, e analisar um pouco o grupo ao qual tinha decidido me opor.
Após isolar os casos crônicos e potencialmente contagiosos de petefobia, identifiquei duas motivações razoáveis para o voto no
candidato de oposição. Alguns acreditam, genuinamente, que com o PSDB no
governo teremos mais crescimento econômico e, por conseguinte, um país melhor para todos. Outros não acreditam tanto nisso,
mas acham importante a “alternância de poder”.
Discordo das duas premissas. Considero a primeira equivocada, e a segunda, ingênua. Mas admito a possibilidade
de estar enganado. Sempre há uma chance, de sei lá, 0,01%. Em todo caso,
estaríamos no campo das diferenças de opinião e de ideologia. Posso conviver
com isso.
Não posso, porém, conviver com o discurso do ódio,
tão difundido por aqueles que, imagino, não irão votar na “vaca”, na “fdp”, na
“terrorista”.
Não posso concordar com pessoas que ignoram o
profundo abismo social que ainda existe no Brasil e vociferam contra o “bolsa
esmola”.
Não posso aplaudir o preconceito de classe, insuflado e escancarado de forma bizarra pelo ex-presidente, na sua indulgência com os brasileiros
que vivem nos “grotões” e que não conhecem a Verdade, não por serem pobres, mas
“mal informados”. Assina a Veja pra eles, sociólogo!
Não posso encarar como simples brincadeira, ou
exercício da “liberdade de expressão”, manifestações vis e criminosas como essa:
“70% de votos para Dilma no Nordeste! Médicos do Nordeste, causem um holocausto por aí!”
Não posso me alinhar a quem trocaria todos os
programas sociais do governo, que tiraram milhões de pessoas da fome e da
miséria, por um descontinho no seu próprio imposto de renda e uma queda no
preço do dólar, que lhes permita encher mais as bolsas na próxima viagem para
Miami.
Não posso aceitar a homofobia, a intolerância e a
incompreensão.
Não posso unir forças com quem sente “saudades” da ditadura militar. Com aqueles que querem enjaular, prender a postes ou assassinar crianças e adolescentes pobres, cujo maior pecado foi terem nascido do lado
errado do Equador, no meio de um povo que acha mais cômodo sacrificá-los do que
cuidar deles.
“Ah, mas eu vou votar no Aécio e não concordo com
nada disso!”
Pela primeira parte, meus pêsames. Pela segunda, não
faz mais do que a obrigação.
Acredito, mesmo, que a maioria dos eleitores
do PSDB viva no século XXI e não comungue com essas ideias. Mas, após muito
pensar, descobri que não conheço ninguém que concorde sequer com uma dessas sandices e vá votar em Dilma Rousseff. E que conheço muitas pessoas que vomitam
periodicamente uma ou mais dessas besteiras, e todas votarão em Aécio Neves.
Não partilho da empáfia de FHC para afirmar que
pensam assim porque seriam ignorantes, ou “mal informados”. Não me importo, na
verdade, com os motivos. Apenas me reservo o direito de pensar diferente.
E de afirmar essa diferença com firmeza, com absoluta convicção.
Sob essa perspectiva, fica fácil decidir. Olho para frente e vislumbro duas estradas. Acredito que uma delas conduz a um amanhã
melhor do que hoje. A outra, direto para um passado ao qual não desejo
retornar. Acredito, mas não tenho certeza. Talvez seja ao contrário, ou as duas
levem ao mesmo lugar. Ninguém sabe, ninguém pode saber. Não até que aconteça. O
destino é incerto. Mas, se há uma coisa que sei acima de todas as outras, é ao
lado de quem desejo caminhar.