sexta-feira, 13 de maio de 2016

Assim caminha a humanidade

No documentário “Requiem for the American Dream”, o intelectual norte-americano Noam Chosmky passeia pela história dos Estados Unidos, demonstrando, com certa melancolia, que o “sonho americano” está sucumbindo. Segundo Chomsky, aquele país das décadas de 60-70, em que um operário possuía um padrão de vida confortável, em que os filhos desses operários tinham uma boa educação, a terra que os ianques idolatravam como o berço da democracia e das oportunidades, está se tornando uma lembrança.
Chomsky acredita que a escalada da desigualdade social é responsável por ferir de morte o “sonho americano”. A concentração cada vez maior de riqueza, porém, não decorreria da incompetência dos políticos, nem de crises cíclicas do sistema, tampouco de guerras, epidemias ou outros fatores imprevisíveis. Antes, seria o resultado esperado do controle das decisões políticas por interesses hegemônicos, cuja atuação se revela nos “Dez princípios para concentração de riqueza e poder”:
1. Reduzir a democracia;
2. Moldar a ideologia – macarthismo, alguém se lembra?
3. Redesenhar a economia, privilegiando o rentismo;
4. Deslocar o fardo – aumentar a regressividade da tributação, para que os ricos contribuam proporcionalmente menos que os pobres;
5. Atacar a solidariedade;
6. Controlar os reguladores;
7. Controlar as eleições;
8. Manter a ralé na linha – criminalizar ou desacreditar movimentos populares, sindicatos, e qualquer outra força com potencial democratizante;
9. Obter consentimento para a produção – “fabricar consumidores”;
10. Marginalização do povo – incapaz de influenciar verdadeiramente as decisões políticas, a população perde a fé nas instituições e assume posições extremistas. Grupos rivais se atacam mutuamente, e as relações sociais se corroem com rapidez.
Ah, depois de ler os dez princípios, parece que ele está falando do Brasil? Pois é. Mas é ainda pior: se nos Estados Unidos a luta é para manter direitos, para preservar um “sonho”, aqui tudo concorre para perpetuar vícios que causam pesadelos desde a época colonial.
Sempre estranhei pessoas que defendem ferozmente ideologias contrárias aos seus legítimos interesses, e ainda racionalizam tais comportamentos, quase sempre recorrendo a ameaças imaginárias. Já identifiquei “n” espécimes peculiares, como o “latifundiário de 100 metros quadrados”, feliz proprietário de um apartamento de dois quartos (financiado), que nunca teve um alqueire de terra, mas morre de medo do MST e da reforma agrária; o “camelô de Wall Street”, que mal consegue pagar as contas e nem sabe o que é SELIC, IPCA, LTN, ON, PN, debêntures e dividendos, mas fica horrorizado toda vez que a bolsa de valores “cai” e o “Brasil fica mais pobre"; o “eu quero ser um milionário”, que anda de carro popular e baba de ódio quando ouve falar em impostos progressivos sobre renda e patrimônio, mas sustenta bovinamente as benesses dos magnatas suportando uma carga muito maior do que deveria em impostos indiretos.
Hoje percebo que os avaliei mal, com excessiva severidade. Assim como os habitantes da caverna de Platão, eles só podem viver no mundo que conhecem, e sua visão, desde sempre, é obscurecida por sombras habilmente tramadas. Continuariam sendo marionetes, se pudessem ao menos enxergar as próprias cordas?