quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Os Infiltrados

O governador de São Paulo assinou no dia 23/11 autorização para que o Movimento Brasil Competitivo (MBC) inicie um trabalho no estado com os objetivos de “melhorar a eficiência na arrecadação e combater a sonegação”.
Curiosamente, a autorização de Alckmin para que o MBC inicie sua “colaboração” veio exatamente um dia depois do Rio Grande do Sul decretar estado de calamidade financeira. O que tem uma coisa a ver com a outra? Em 21/05/2015 o Rio Grande do Sul anunciou com pompa um “Acordo de Resultados” que definia as prioridades do governo para o próximo exercício, e que fora elaborado com o auxílio do... MBC.
Não devemos, porém, concluir apressadamente que se o MBC não ajudou (até agora) o Rio Grande do Sul não possa ajudar São Paulo. Pelo menos não sem antes entender que organização é essa.
O MBC é uma associação sem fins lucrativos (claro...), de interesse público, que tem como missão “promover a competitividade sustentável do Brasil elevando a qualidade de vida da população”. Dentre os seus apoiadores figuram empresas como Ericsson, Natura, Suzano e Gerdau. Aliás, o presidente do Conselho Superior do MBC é Jorge Gerdau.
Em resumo, o MBC aglutinou grandes grupos empresariais do país, que cedem recursos humanos e materiais para colaborar com a gestão pública, provavelmente imaginando que, em breve, seu trabalho ajudará a construir um ambiente de negócios mais próspero, com benefícios para toda a sociedade. Esta é uma dedução razoável, com base nos objetivos declarados pelo próprio grupo.
E assim  Alckmin se encanta com o MBC e, após tomar conhecimento (ou não) do  apoio que prestaram a outros estados (como o Rio Grande do Sul), resolve convidá-los para “melhorar a eficiência na arrecadação”. Em português coloquial, aumentar a receita de impostos.
Agora é que a coisa começa a se complicar. Será que os associados do MBC querem pagar mais impostos? Pensariam eles que o caminho para a “competitividade sustentável” passa por transferir ainda mais recursos do setor produtivo para o Estado? Será possível que essas empresas, por sinal contribuintes do ICMS, imposto que responde por mais de 80% da receita do estado de São Paulo, estejam interessadas em ajudar o governo a tirar mais dinheiro delas?
Ah, mas esperem que em seguida o governador completa: “evitar sonegação, que é uma concorrência desleal”.
Agora sim! As empresas associadas ao MBC com certeza são fiéis cumpridoras das obrigações tributárias, e sofrem com a concorrência desleal dos que não pagam seus impostos. Agem portanto para proteger os próprios interesses (que neste caso se alinham ao interesse público) quando se unem ao Estado no combate aos sonegadores.
É uma boa história, e até poderíamos comprá-la se o grupo Gerdau não tivesse sido outro dia mesmo condenado pelo CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) a devolver aos cofres públicos 4 bilhões de reais. Vamos relevar esse pequeno deslize? Afinal, qualquer um é passível de erro, e a legislação tributária é mesmo muito complexa. Mas será que podemos relevar também o fato do presidente da Gerdau ter sido indiciado pela Polícia Federal na Operação Zelotes pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro?
Melhor passar para outro tópico. O primeiro diagnóstico a ser realizado pelo MBC será sobre os processos de cobrança da Sefaz e da Procuradoria Geral do Estado (PGE). Excelentes intenções, melhor recuperar os créditos já constituídos e não pagos do que aumentar a carga de impostos sobre os bons contribuintes. Não obstante, os associados do MBC colaborariam mais efetivamente com a PGE se apenas liquidassem os débitos milionários de sua responsabilidade já inscritos em Dívida Ativa. Acreditaria Alckmin que eles vão auxiliar a PGE a cobrar com mais eficiência suas próprias dívidas? Seguindo essa lógica, talvez a próxima iniciativa do governador seja colher sugestões de criminosos condenados para melhorar a eficiência da persecução penal.
Pausa: Quem ficou curioso para saber se essas empresas realmente estão em débito com o estado de São Paulo, as informações são públicas e fáceis de acessar: consultem a lista de associados do MBC, depois encontrem os CNPJs base com auxílio do Google, em seguida consultem os débitos inscritos no site da PGE. Podem começar pelas quatro que citei de exemplo lá no início do texto. Fim da pausa.
Mas, se não o gosto pelo auto suplício, qual poderia ser o interesse do MBC nesse acordo de “colaboração”?
Quanto a isso, podemos apenas especular. Benefício pecuniário direto não há, porque o acordo não envolve a transferência de recursos financeiros. Envolve, porém, o compartilhamento de informações. Os “dados” de que o MBC necessita para fazer seus diagnósticos são informações econômicas reais, protegidas, em tese, pelo sigilo fiscal. Será que os demais contribuintes do estado, não ligados ao MBC, concordam em compartilhar suas informações? Os dados disponibilizados seriam suficientes para que os associados do MBC adquiram informações privilegiadas sobre o mercado, ganhando assim vantagem concorrencial? Ou qualquer abertura de informação obedecerá a mais estrita legalidade, e não será hábil a propiciar qualquer vantagem econômica?
Devemos supor que o governo não será irresponsável ao ponto de cometer uma ilegalidade de tal porte, e que o MBC não terá benefícios por acessar essas informações. Só nos resta, portanto, a hipótese do interesse genuíno de colaborar com a sociedade, entregando os resultados prometidos: “apontamento de oportunidades identificadas para aprimoramento da situação atual diagnosticada”. Em português coloquial, indicar para onde a Administração Tributária deverá apontar suas armas.
Enfim, chegamos a uma motivação lógica para o suposto altruísmo do MBC. Que empresário não gostaria de indicar que as melhores “oportunidades” para a fiscalização estão na porta ao lado, e nunca na sua própria?
Ou talvez, como parece acreditar Alckmin, o que eles realmente desejam é pagar mais impostos, serem fiscalizados com mais severidade, e saírem derrotados em todos os processos de execução fiscal que enfrentam ou que venham a enfrentar.