terça-feira, 29 de abril de 2014

Ó, vida! Ó, azar!



AVISO: Todos os links apontam para conteúdo potencialmente ofensivo. A menos que sinta uma necessidade imperiosa de checar as fontes, sugiro que evite o contato.

O grande problema dos liberais é que eles não “pegam” mulher. Não, não sou eu quem está dizendo. Esta foi a tese defendida num artigo recente de certo filósofo que, dizem por aí, é um dos gurus da “direita” brasileira.
O texto viralizou rapidamente na rede, mas cada compartilhamento era acompanhado de duras e injustas críticas, vociferadas por mentes menores e invejosas.
Para alcançarmos o pensamento superior do filósofo, urge lembrar que ser tosco é uma arte. Não podemos afirmar com certeza que foi proposital, que o autor pretende se tornar o Ed Wood da crônica. Mas não podemos tampouco desprezar seu talento. O escriba atingiu um grau de infelicidade e bizarria tão único que suas linhas escaparam dos guetos da intelligentzia liberal e foram catapultadas diretamente para as mais seletas antologias.
O mais curioso é que as críticas se focaram, basicamente, na importância conferida pelo autor ao fato dos liberais serem "lisos". Na visão dos detratores, as dificuldades de interação amistosa com o sexo oposto não seriam assim tão prejudiciais como alega o filósofo. E o que há de curioso nisso? Ora, que nem se cogitou argumentar contra a premissa base: os caras realmente não pegam ninguém.
Bem, se o fato não é contestado, é incontroverso. O autor, porém, se debruçou mais a louvar as qualidades da esquerda festiva do que em apontar os motivos que poderiam estar empacando a vida sexual da direita... qual seria o contraponto de esquerda festiva? Direita depressiva? Liberais sorumbáticos? Ou a popular direita raivosa?
Confesso que, superada a vergonha de não ter coisa melhor em que pensar, comecei a matutar: porque será que esse pessoal tem tanta dificuldade para cumprir um rito tão tradicional da nossa espécie? Na falta de pesquisas científicas confiáveis sobre o tema, resolvi consultar um especialista, cujo nome será mantido em sigilo.
Apesar de faltar ao meu especialista arcabouço filosófico, ele traz ao debate elementos empíricos, que, como vimos, são um tanto inacessíveis para o autor e seus amigos. Em resumo, ele disse que as mulheres gostam de:
  • Ser ouvidas – e não adianta só fingir que está ouvindo, tem que ouvir e se importar;
  • Ser valorizadas e respeitadas;
  • Se divertir.
Claro que estamos trabalhando no atacado, com generalizações, e focando apenas no básico. Mas confiem: quem sabe ouvir, demonstra respeito e interesse, e ainda consegue ser divertido, este só terá dificuldades reprodutivas se for especialmente desfavorecido pela natureza.
Conclui-se, portanto, que o homem, para alcançar sucesso em suas tentativas de atrair fêmeas para a conjunção carnal, precisa demonstrar, no mínimo, empatia, sensibilidade, educação, e bom humor.
Infelizmente, as restrições orçamentárias do blog não permitem que façamos uma acurada pesquisa com os “jovens liberais” para verificar se eles estariam carentes dessas habilidades (porque carentes de outras coisas já sabemos que eles estão). Mas podemos improvisar: no próprio texto do autor, e em outros publicados por seus pares, é possível encontrar indícios do grau de maestria dos “pensadores” no relacionamento com o sexo oposto.
Iniciemos com o filósofo, dando aula nos quesitos "respeito" e "valorização". O intelectual qualifica as mulheres como cabeças de vento, que seriam facilmente seduzidas pela poesia iconoclasta da tal esquerda festiva. Elas não estariam preparadas para o contato com os liberallis superiors, que precisariam aprender a operar num nível inferior de consciência para se relacionarem de igual para igual com os objetos do experimento.
Antevejo problemas de ordem prática para seguirem esse conselho: não imagino como eles possam alcançar um nível inferior àquele em que já estão. Mas vamos adiante. 
Nosso segundo exemplo, assim como o filósofo, também é adepto do quanto pior, melhor, e recentemente ganhou indigitada exposição por conta de uma “carta aberta” para uma atriz global, que acabara de ser vítima de assalto a mão armada e cárcere privado em sua própria residência.
O articulista inicia sua epístola com elogios à beleza da atriz (nada mal por enquanto), e em seguida tenta impressioná-la com sua pretensa superioridade intelectual, oferecendo inclusive um exemplar autografado do seu livro sobre culinária. As coisas já não parecem caminhar bem para o lado do novo ícone do liberalismo, quando ele tira uma carta inesperada da manga: uma mensagem comovente para a atriz, ainda abalada pelo traumático episódio. Eu os pouparei de ler: em resumo, o que ele tinha a dizer para a bela e ainda chorosa vítima era: “bem feito!”.
(minuto de silêncio)
Modestamente, acho que eu pensaria em maneiras melhores de consolar uma mulher que passou a noite com uma arma apontada pra cabeça.
Mas não vamos desistir deles ainda. O que não falta aos “jovens liberais” é guru, e vejam que achado, um deles escreveu um texto chamado “como agradar as mulheres”. Lendo os ensinamentos do Guru-Rei, podemos entender porque seu discípulo demonstra a sensibilidade de um viciado em lidocaína: o Rei decreta que “quem curte homem sensível é outro homem”.
Empatia e sensibilidade, realmente, não fazem parte do repertório desses senhores. Mas e quanto à educação e bom humor?
Para que não nos acusem de perseguição, busquemos um novo modelo para o quesito educação. Este se notabilizou por chamar o Presidente da República de anta. É o tipo de coisa de que eles acham graça, imagino.
E não acabou. A piada maior vem de outro assim dito filósofo, que lançou um tomo destinado a ensinar as pessoas a não serem idiotas. Esse tipo de humor, até entendo: ele chama todo mundo de idiota, e seus discípulos ainda formam fila para comprar o livro. Se eu trabalhasse numa livraria, acho que não resistiria em abordar os compradores: “Por favor, depois que ler, me avisa se funcionou?”

Creio que a pesquisa foi suficiente. Já podemos visualizar um cenário idílico: os cinco iluminados, num terraço de New York (porque eles também odeiam o Brasil), rindo garbosamente enquanto escolhem os próximos em quem irão pisar para criar polêmicas e inventam novos termos chulos, com eventuais pausas para se gabarem de sua grande potência mental. Tudo temperado pela saudável fumaça de charutos da República Dominicana (Havana, jamais!).

É forçoso concluir que, inobstante sua renomada sapiência, o filósofo deve ter errado o alvo desta vez. Que mulher não se encantaria por pessoas tão simpáticas e agradáveis?




sexta-feira, 25 de abril de 2014

Finalmente, sexta-feira!


Se há uma coisa mais previsível do que um vice-campeonato do Vasco, é o fato de que ninguém poderá acessar as redes sociais numa sexta-feira sem se deparar com uma enxurrada de posts festivos. Isso quando a contagem regressiva não começa já na segunda. Mas já paramos pra pensar sobre quais seriam os motivos de tamanha alegria?
“PORRA, mas que pergunta idiota! Depois da sexta vem o sábado e o domingo, sabia? Sério que o artigo é sobre ISSO?”
Calma, que tudo pode se tornar mais complicado do que parece. Beleza, o que se comemora nas sextas-feiras é a iminência dos finais de semana. Dois dias em que a maioria das pessoas não cumpre expediente, não tem compromissos, enfim, podem fazer o que tiverem vontade. Assim, os vivas à sexta-feira marcam a passagem pela fronteira entre a aborrecida rotina dos dias úteis e a liberdade de um sábado de sol.
Mas, então, o motivo da festa é que temos a possibilidade de dois dias felizes após cada cinco sofríveis?
“Nãoooo, peraí, não são dois a cada cinco... e os feriados, as férias? Também adoramos feriado! Principalmente, se cair numa quinta e der pra enforcar a sexta!”
(Pausa para os cálculos – matemática não costuma ser o forte de escritores. 365 dias – feriados – férias – finais de semana + finais de semana durante as férias que precisam ser compensados = ????)
Tudo bem, contando férias de 30 dias, temos pouco mais de 70% de dias úteis no ano, logo, menos de 30% de finais de semana, feriados e afins. Quer dizer que esse rebuliço todo é pela expectativa de usufruir, quem sabe, de três dias felizes a cada dez? Sinto informar, mas... parece que você está fazendo isso errado!!
Melhor do que ansiar diuturnamente pela chegada de janelas de escape da nossa vida cotidiana seria construir uma vida da qual não quiséssemos escapar tão desesperadamente. Conferir significado a 100% dos nossos dias, e não apenas a 30% deles.
Falar é bem mais fácil do que fazer, não é? Olha a realidade: quase quatro horas só indo e vindo do trabalho, mais oito de expediente. Mais tempo pra dormir, almoçar, jantar, tomar banho... e no pouquinho que sobra, ainda preciso ficar “conferindo significado”?
Bom, quem está numa situação dessas precisa refletir se realmente deseja ficar para sempre preso nesse modelo de “vida”. Se a resposta for sim, nada há a se fazer. Agora, se a resposta seguir um padrão mínimo de lógica e for não, veremos que definir os alvos que precisamos derrubar para escapar dessa idílica existência não é nada difícil.
Afinal, no cenário que exemplificamos, nada menos que 12 horas são consumidas apenas com deslocamento e trabalho. Logo, saltam aos olhos as alternativas. A mais lógica é reduzir o tempo de deslocamento, de trabalho, ou ambos, para viver por mais tempo do que o dedicado a sobreviver. Outra opção seria encontrar propósito no próprio trabalho e nas demais atividades cotidianas, o que é bem diferente de “gostar” de trabalhar. E, caso isso se revele impraticável, modificar as atividades a que nos dedicamos durante os infames cinco dias úteis.
Afirmo, sem qualquer receio, que existem inúmeros caminhos para que reinventemos nossas vidas, e a maioria deles é acessível a qualquer pessoa. Alguns envolvem, claro, um período de privações e sacrifícios antes de nos conduzir a um objetivo. Mas mesmo o que para uns parece sacrifício pode se tornar prazeroso, se as ações são direcionadas para uma meta. Aqueles que escolheram como rota de escape de empregos estafantes e insatisfatórios o estudo, e celebravam a sexta-feira não pela happy-hour, mas pela iminência de 48 horas de paz com seus livros e aulas, com certeza entende bem isso.
O curioso, portanto, é que embora haja muitas pessoas insatisfeitas com a própria vida, e a todas elas esteja disponível a possibilidade de mudança, a maioria não se move. Seguem disputando a corrida dos ratos. No percurso, amaldiçoam alguns, invejam outros, e parecem estar esperando que o mundo se adeque aos seus desejos e necessidades. Não mudam seu comportamento e, claro, jamais esperam conseguir “mudar o mundo”. Esses bravos atletas podem ser muitas coisas, mas jamais serão sonhadores.
Não, eles não sonham. Eis que encontramos as correntes da prisão. O sortilégio pode, de fato, ser quebrado por qualquer um, mas mediante a conjugação de pelo menos dois fatores: visão e coragem. Correndo de um lado pro outro o tempo inteiro, não se pode ver além da linha dos olhos. Encerrada continuamente em escritórios e túneis, a mente se acomoda e se amedronta com a luz do sol.
E, no acender das luzes, encontrar a saída é simples. O primeiro passo é o mesmo que deve ser seguido pelos dependentes químicos: é preciso reconhecer que há um problema. E visualizar uma vida diferente, melhor, se formos fortes o suficiente para lutar contra os vícios e limites que nós próprios nos impusemos. Em seguida, definir objetivos e buscar os meios para alcançá-los. Encarar os sacrifícios necessários, que serão menores do que aqueles que sofrem os que continuam eternamente presos. E, principalmente, ter coragem para mudar.
Não exige prática, tampouco habilidade. Basta abrir os olhos e caminhar sobre as pedras e brasas, rumo ao desconhecido. Boa viagem, e espero encontrar cada vez mais gente por lá.



quinta-feira, 17 de abril de 2014

Passageiros, aos seus lugares


Vamos imaginar que o Brasil decida “zerar” o Congresso e instalar uma novíssima Assembleia Nacional, a exemplo do que ocorreu na Revolução Francesa (sem as guilhotinas, por favor). O objetivo da Assembleia é simples: encontrar caminhos para resolver os inúmeros problemas do nosso país.
Cientes dos perigos da polarização, e querendo evitar cabeças cortadas atrapalhando a passagem, os organizadores da Assembleia optam por não dividir o plenário em lados opostos, mas dispô-lo em círculo. Posicionam junto ao centro, abertos a partir do palco destinado para os discursos, estofados totalmente brancos, que vão ganhando coloração à medida que se aproximam das extremidades, que ficam tomadas por assentos vermelhos.
Para definir os lugares destinados a cada representante, adotam a seguinte regra: aqueles que são contra reformas profundas, contra decisões que impactem de modo significativo a estrutura social e política preexistente, devem ocupar os assentos brancos. Para os que defendem a necessidade de mudanças radicais, ficam reservados os assentos vermelhos. Os demais, naturalmente, vão sendo distribuídos pelos demais assentos de matizes intermediários conforme o seu grau de conservadorismo ou reformismo.
Formado o cenário, vamos a um trivial exercício de lógica, temperado por um breve exemplo. Sabemos que atingir o crânio de um ser humano saudável com uma bolinha de papel não provoca ferimentos. Aliás, devemos agradecer a um de nossos mais eminentes políticos por esse conhecimento, ele que ofereceu seu próprio corpo à ciência, submetendo-se a uma extensa bateria de exames que dirimiram qualquer dúvida que pudesse haver sobre a inofensividade das bolinhas de papel.
Ora, uma vez que sabemos disso, é uma grande estupidez, se pretendemos causar ferimentos a uma pessoa, alvejá-la com bolinhas de papel. Óbvio que devemos usar outro tipo de projétil, mais pesado e contundente.
Do mesmo modo, se entendemos que o Brasil tem uma série de problemas, beiraria a insanidade se, caso convocados para semelhante Assembleia, optássemos pelos assentos brancos. Como poderemos almejar mudanças, se continuarmos fazendo as mesmas coisas?
Vamos estender um pouco a alegoria e pensar nos nossos políticos atuais. Há certo partido que ocupa a Chefia do Poder Executivo e grande parte das cadeiras do Congresso há mais de uma década, e tem como símbolo uma estrela vermelha. Dizem por aí que eles são de esquerda.
Mas, vejamos: em todo esse tempo de governo, houve mudanças relevantes no Brasil? Claro que podemos encontrar algumas melhorias, avanços, mas só até certo ponto. Geralmente até o limite em que começam a ser ameaçados "valores" tradicionais da nossa sociedade. Não por acaso, nos últimos vinte anos, a pauta de debates parece a mesma: ainda falamos de reforma política, direitos civis, reforma tributária, reforma agrária, saúde, educação, desigualdade social, segurança pública. Enquanto isso, a maioria dos “nossos” representantes vive de braços dados com latifundiários, fundamentalistas religiosos, empreiteiros, usineiros, banqueiros e outras “vítimas do sistema”. Em resumo, com o pessoal que tem todos os motivos do mundo para desejar uma Assembleia pintada de branco, porque para eles tudo continua muito bem, obrigado.
Agora, vamos esquecer aqueles velhos conceitos que nasceram lá na França e pensar: será que o pessoal da estrelinha rubra no peito está mesmo ocupando os assentos vermelhos? E todos os demais partidos, quais deles estão realmente lutando por um país mais justo e solidário, como prega a nossa Constituição, e quais estão apenas brigando um contra o outro, esperando sua vez de sentar na cadeira mais disputada da sala?
A verdade é que, antes de pensar se nós “somos” de algum lado, e procurar quem diz que está do mesmo lado, precisamos saber o que queremos. Construir nossos próprios valores e ideias. Depois, descobrir quem são os cidadãos e homens públicos que não só afirmam pensar como nós, mas também tem atuado para transformar as ideias em realidade. Aqueles que se sentariam perto de nós na Assembleia. Aqueles que nos ajudariam a pensar, a litigar, a conciliar, e a construir, quem sabe, um amanhã diferente. 
O caminho da mudança é tortuoso, e geralmente percorrido a passos curtos. Mas pode ser vencido se, para começar, visualizarmos com clareza a trilha que queremos percorrer. Uma trilha que tem muito mais de dois caminhos.


quinta-feira, 10 de abril de 2014

O meu é maior que o seu!


Desde que um punhado de franceses resolveu marcar posição se sentando em lados opostos da Assembleia Nacional o mundo assiste ao embate entre duas linhas de pensamento supostamente antagônicas, a “direita” e a “esquerda”.
Parece evidente que os problemas sociais são por demais complexos e distintos para que possam ser encarados com base em tal reducionismo. Ao contrário, o mais lógico seria que, para cada caso concreto, as decisões políticas se pautassem por critérios racionais, sem pré-julgamentos ou vieses ideológicos. Em outras palavras, problemas diferentes devem ser enfrentados de modo diferente, e é praticamente impossível que todas as soluções possam ser encontradas olhando só para um lado da moeda.
Por que, então, essa polarização persiste? Por que políticos e eleitores seguem se declarando de “esquerda” ou de “direita”, ainda que na prática vivam no “meio”? Arrisco apontar alguns motivos:
  • Temos preguiça de pensar. Encaixar os processos de decisão em “modelos” pré-fabricados, que podemos escolher por imitação, é bem mais simples do que formar conjuntos próprios de valores, e analisar todas as inúmeras questões que envolvem a vida em sociedade com a nossa própria cabeça.
  • Gostamos de pertencer a grupos. Se não assumimos um lado, nos sentimos sem identidade.
  • Queremos acreditar que somos melhores do que realmente somos e, principalmente, que somos melhores que os outros. A partir do momento em que adotamos uma ideologia e nos juntamos a um grupo, que, claro, consideramos moral e intelectualmente superior ao “inimigo”, passamos a nos achar melhores do que todos os pobres coitados que pensam diferente, que não enxergam a verdade como nós.
  • É mais fácil defender ideias por oposição do que pelos seus méritos intrínsecos. Quando polarizamos qualquer discussão, temos terreno fértil para impor falsas dicotomias. Talvez este seja o principal motivo pelo qual os políticos adoram declarar posições ideológicas, ainda que na prática se afastem muito do discurso que fazem quando em campanha.

Nota do tradutor: Falsa dicotomia é uma falacia lógica que descreve uma situação em que dois pontos de vista alternativos, geralmente opostos, são colocados como sendo as únicas opções, quando na realidade existem outras opções que não foram consideradas. Essa falácia é usada para defender pontos de vista em geral, ela muitas vezes é usada em uma comparação em que uma das opções é completamente descartada pelo seu proponente, restando apenas a que lhe interessa.” (Fonte: Wikipedia, claro!)

A insistência nessa polarização demonstra que, do ponto de vista político, somos ainda muito imaturos. Seguimos presos às soluções fáceis, ao binômio herói-vilão. Recusamo-nos a reconhecer o óbvio: que entre os deuses e os demônios estamos nós, imperfeitos e cinzentos seres humanos.
Claro que tamanha tolice não pode passar sem castigo. Não vamos nem apelar para as trilhas de corpos deixadas por um lado e pelo outro, ou para o fato de que o mundo viveu por uns trinta anos com medo de que, qualquer dia, russos ou norte-americanos apertassem um botão errado e nos mandassem todos para o espaço. Afinal, o muro de Berlim caiu há mais de vinte anos, embora pareça ter gente que ainda não saiba disso e continue morrendo de medo da “ameaça vermelha”. Ficaremos fora dessa anacrônica bagunça, portanto. Pretendemos demonstrar somente que debater ideias, dispensando bandeiras, tende a ser mais produtivo do que disputar quedas de braço.
O nosso Brasil, por exemplo, tem uma série de questões que poderiam ser facilmente resolvidas, se houvesse um mínimo de vontade política. Em alguns casos, a solução parece estar à “direita”, em outros, à “esquerda”. Há temas, como o Estado laico, o respeito às leis e aos direitos humanos, que são imperativos para os dois lados, e mesmo nestes não conseguimos avançar. Mas o que direita e esquerda tem a ver com isso? Em que a dicotomia nos atrapalha?
Bem, é simples constatar o potencial destrutivo de um “debate” conduzido com base em dogmas ideológicos. Já discorremos, em artigo anterior, sobre as distorções do sistema tributário brasileiro. Naquela ocasião o comparamos com o modelo dos Estados Unidos, que certamente não tem nada de comunista.
Retomando aquela análise, vamos admitir que uma proposta razoável de reforma tributária contemplasse o fim da regressividade. Assim, uma medida conveniente seria reduzir a carga de impostos incidentes sobre o consumo, desonerando o setor produtivo e estimulando o empreendedorismo.
Pausa para a claque: Ééééééé´!! Isto mesmo! Viva a livre iniciativa!! Chupa Che Guevara! EI! Cuba! VTNC!!!!
Prosseguindo: uma outra providência lógica, ainda com o objetivo de eliminar a regressividade e nos aproximar do modelo dos países desenvolvidos, seria alterar o foco da tributação para impostos sobre a renda, sobre a transmissão de heranças, e sobre a propriedade de modo geral. Em especial, majorar os tributos incidentes sobre os capitais especulativos e a propriedade improdutiva.
Pausa para a claque: EIII que isso??? Vai mexer no que é meu??? Comuniiismoooooooo!!!!!!!!!
Pronto, está formado o cenário para que “grandes proprietários” saiam dos seus latifúndios de 90 m2 e tomem as ruas (ok, as redes sociais) morrendo de medo do MST, do Che, do Fidel, e até do Dalai Lama. Eles não sabem, nem querem saber, que naquele país pintado de vermelho que fica entre o México e o Canadá os impostos sobre a herança tem alíquotas de até 50%. Que isso estimula o trabalho e a produção de riqueza, em vez da perpetuação de oligarquias.
Pausa para a claque: Não, pode parar com esse papinho de comunista! Ninguém vai tomar metade dos meus bens! Ainda que eu não tenha nada, vai que um dia eu consigo comprar um apartamento? Daí se eu morrer, o governo vai tomar metade? Ah não! Por que você não muda pra Coréia do Norte, FDP?
Guerra decretada, e continuamos empacados. E os grandes proprietários de verdade, aqueles para os quais o Brasil sempre funcionou, seguem dando risada enquanto assistem ao cidadão comum se debatendo, demonizando ora o PR do B, ora o PMT do C, acreditando piamente que há grandes diferenças entre um e outro. Isso quando não estamos lutando contra inimigos imaginários, esquizofrenia que já consumiu umas boas décadas da nossa história recente.
Mas então, o que fazer? Existe mundo fora da “esquerda” e da “direita”? É possível realmente que as pessoas pensem "fora da caixa"?
Sim, é possível. Embora hoje, num país que sofre uma epidemia de analfabetismo funcional, esteja distante da nossa realidade. Mas podemos tentar pelo menos definir quais são os limites reais dessa caixa. Se for para brincar de escolher lados, vamos brincar direito. Quais são os lados, afinal? De que lado eu devo estar, e quem será que está do meu lado? Se é que tem alguém do meu lado?
Será este o tema do próximo texto, que concluirá a pequena série direita-esquerda.






sexta-feira, 4 de abril de 2014

Dez coisas que todos deveriam saber sobre direita e esquerda


Parece haver uma predisposição genética contra o debate político. Essa aversão aumenta quando a maioria dos pretensos debates se converte em bate bocas, tão logo um dos lados se assume de “esquerda” ou de “direita”. Basta isso para que as ideias percam totalmente a importância e a política vire futebol (ou pior, religião), com cada um defendendo o seu lado.

O fenômeno merece análise. Mas, antes de adentrarmos tão pantanoso terreno, faz-se mister afirmar alguns elementos factuais imprescindíveis ao entendimento do tema.

Concluído o (des)necessário preâmbulo, vamos ao que foi prometido no titulo.

SOBRE A DIREITA


1. O uso do termo para definir uma corrente política e ideológica nasceu há 225 anos, durante a Revolução Francesa.

2. Utilizou-se, na época, o termo “direita” para se referir ao conjunto de propostas e ideias relacionadas aos interesses de determinados grupos sociais, que se sentavam à direita da Assembleia Nacional.

3. Ao longo desses 225 anos, os grupos de interesse se alteraram, novas ideias surgiram, as antigas foram abandonadas ou modificadas, mas seguem havendo grupos que se autodenominam de “direita”.

4. Não obstante o conceito ser impreciso e mutante, um número considerável de pessoas reconhece certas ideias direitistas como dogmas, e os utilizam como norte para decisões políticas e julgamentos morais.

5. Muitos políticos, em contrapartida, fingem não saber quais são os valores da direita, alternando sua posição ideológica de acordo com os ventos da estação.

6. Fundamentalistas de direita deixam de concordar imediatamente com qualquer ideia que seja rotulada como de esquerda.

7. Esses mesmos fundamentalistas de direita tem por hábito desqualificar as ideias e propostas dos “inimigos” com base em extremismos e associações falaciosas.

8. Caso não possam deixar de concordar com a ideia, pela sua absoluta imperatividade ou grande aprovação popular, dirão que na verdade ela é de direita, ainda que sua essência seja esquerdista.

9. A ideologia já foi e continua sendo usada para motivar a instalação de ditaduras e a prática de atos terroristas, tortura, assassinatos, guerras e genocídios.

10. A metade direita do cérebro controla o lado esquerdo do corpo.


SOBRE A ESQUERDA


1. O uso do termo para definir uma corrente política e ideológica nasceu há 225 anos, durante a Revolução Francesa.

2. Utilizou-se, na época, o termo “esquerda” para se referir ao conjunto de propostas e ideias relacionadas aos interesses de determinados grupos sociais, que se sentavam à esquerda da Assembleia Nacional.

3. Ao longo desses 225 anos, os grupos de interesse se alteraram, novas ideias surgiram, as antigas foram abandonadas ou modificadas, mas seguem havendo grupos que se autodenominam de “esquerda”.

4. Não obstante o conceito ser impreciso e mutante, um número considerável de pessoas reconhece certas ideias esquerdistas como dogmas, e os utilizam como norte para decisões políticas e julgamentos morais.

5. Muitos políticos, em contrapartida, fingem não saber quais são os valores da esquerda, alternando sua posição ideológica de acordo com os ventos da estação.

6. Fundamentalistas de esquerda deixam de concordar imediatamente com qualquer ideia que seja rotulada como de direita.

7. Esses mesmos fundamentalistas de esquerda tem por hábito desqualificar as ideias e propostas dos “inimigos” com base em extremismos e associações falaciosas.

8. Caso não possam deixar de concordar com a ideia, pela sua absoluta imperatividade ou grande aprovação popular, dirão que na verdade ela é de esquerda, ainda que sua essência seja direitista.

9. A ideologia já foi e continua sendo usada para motivar a instalação de ditaduras e a prática de atos terroristas, tortura, assassinatos, guerras e genocídios.

10. A metade esquerda do cérebro controla o lado direito do corpo.

Isso é o básico. No próximo post, poderemos avançar um pouquinho mais, e analisar os possíveis motivos dessa polarização ideológica.

Enquanto isso, faça o teste para descobrir de que “lado” você está, e já perceber que existem mais de dois lados. Minhas respostas me colocaram no quadrante de Dalai Lama e Mandela. Fiquei feliz com a companhia. Quem cair perto de Stalin ou Hitler talvez deva rever alguns conceitos.