quinta-feira, 27 de março de 2014

A verdade está lá fora


Dizem os antigos que, num passado nem tão distante, o grande sonho da classe média era a casa própria. Hoje, embora ainda haja déficit habitacional, os desejos são mais complexos: segurança, justiça, menos impostos, serviços públicos eficientes. O inconsciente coletivo tem encontrado uma saída mágica para satisfazer esse amálgama de anseios: mudar pra Miami.
Não há como negar a atratividade do caminho mais curto: o aeroporto, rumo a qualquer país que ofereça melhores oportunidades de trabalho e condições de levar uma vida digna. A tentação cresce quando nos deparamos com relatos de brasileiros que vivem no exterior. Destaco dois textos, um sobre a Holanda (que já e viral) e outro sobre a Austrália.
O que estes países, e outros com padrão de vida semelhante, teriam em comum, e de tão diferente do nosso Brasil? Analisando os textos indicados, e combinando com impressões de amigos que moram ou visitaram outros países com alto padrão de vida, concluí que os pontos fundamentais passam longe de decisões sobre taxa de câmbio, maioridade penal, privatizar ou estatizar, e miudezas afins. Claro que eles também precisam decidir sobre essas chatices, e em geral o fazem melhor do que nós, mas não porque tenham alguma superioridade inata. Não, a melhor condução dos temas caros a essas sociedades é o reflexo da combinação de certos elementos nelas presentes, que agora passaremos a deslindar.

Ingrediente nº 1: RESPEITO
As pessoas se respeitam, entendem que o direito de um termina quando começa o do outro. Imaginem um mundo em que ninguém fura fila, nem rouba no troco. Os carros param nos sinais vermelhos (até nos amarelos) e faixas de pedestres. As vagas para idosos e deficientes ficam esperando... idosos e deficientes. Confesso que nunca vi esse mundo, mas dizem que existe.
E não é só: os cidadãos respeitam o Estado, e são respeitados por ele. Ambos cumprem as leis e prezam os direitos de todos, inclusive (e especialmente) das minorias. Lá, o século XV já terminou, e nem se discute a “relativização” dos direitos humanos. Óbvio que, nem no melhor país do mundo, há 100% de cidadãos cumpridores da lei. Mas vamos mesmo comparar com o Brasil, onde o Estado é o primeiro a pisar nas leis que ele mesmo cria?

Ingrediente nº 2: IGUALDADE
Um tema recorrente nos dois textos, que não é exclusivo da Holanda e da Austrália, é a ênfase nos salários justos. A diferença entre os menores e maiores salários é absurdamente menor do que nos países ditos “em desenvolvimento”. Dizem até que por lá as pessoas podem levar vidas dignas e confortáveis trabalhando em empregos que exigem mínima qualificação acadêmica, como porteiro, lixeiro, etc.. As pessoas que executam trabalhos braçais, ou que demandam menor esforço intelectual, não se sentem servos, e os profissionais mais qualificados não se comportam como lordes. Claro que estes ganham mais do que aqueles, mas nunca 20, 30 vezes mais, como no Brasil.
Os salários justos são diretamente responsáveis por duas diferenças marcantes entre “eles” e nós: o baixíssimo número de empregados domésticos (“cada um lava seu banheiro”) e o...

Ingrediente nº 3: SEGURANÇA
Caixas eletrônicos instalados nas ruas que funcionam mesmo por 24 horas. Poder andar com tablets, notebooks, joias, relógios e afins sem medo. Sair à noite a pé, ou utilizando o transporte público. Um mundo em que homicídios, estupros e seqüestros ainda chocam, porque não acontecem todos os dias. Essa é a qualidade de vida que só o dinheiro não pode comprar, e que não teremos aqui nem se ganharmos um milhão de reais por mês.

Ingrediente nº 4: AÇÕES GOVERNAMENTAIS
Nesses países as lâmpadas não se trocam sozinhas. Seus governos não estão perfurando petróleo, mas atuam efetiva e eficazmente para suprir ou, ao menos, fiscalizar e regular o atendimento das necessidades básicas do povo: saúde, educação, transporte, segurança, energia elétrica, saneamento. São Estados fortes, embora não necessariamente grandes: exatamente o contrário do Brasil, paquidérmico, fraco, e ineficiente na maioria das suas ações. Menos, claro, quando precisa defender os interesses daqueles poucos para quem ele realmente governa. O que nos leva ao...

Ingrediente nº 5: FOCO NO BEM COMUM
Embora esse elemento não seja citado expressamente nos relatos que vem de além mar, é a peça quase invisível que sustenta toda a estrutura. As pessoas nos países desenvolvidos não se comportam de modo tão diferente dos brasileiros por mágicos sortilégios, ou mediante programação genética. São diferentes porque se acostumaram a viver em sociedades que buscam, de fato, prover uma vida melhor para todos. Que praticam o respeito mútuo, buscam a igualdade e a justiça social. Podem não conseguir sempre, não são paraísos na terra, mas tentam ser. O Estado trabalha para o seu povo, e não contra ele. Em resumo, visam o bem comum e alimentam um círculo virtuoso.
Aqui, como já apontamos em outros artigos, os objetivos são outros. E os vícios tem o poder de se propagar bem mais facilmente que as virtudes.

Nosso caminho, portanto, é mais longo. E penoso, pois é como se estivéssemos tentando caminhar com duas bolas de chumbo acorrentadas aos tornozelos. Mas já passou do momento de pararmos de obrigar os menos afortunados a carregar todo o peso, para que uns poucos bem nascidos se sintam mais leves. Precisamos quebrar as correntes. Até porque, na boa, a Austrália é longe pra caralho.



quarta-feira, 19 de março de 2014

No escuro, ninguém vai ouvir você gritar


Pessoas assustadas costumam fazer coisas estúpidas. Com certeza há extensos tratados de psicologia sobre isso, mas extraí o conhecimento de algo mais prosaico: filmes de terror. Mal os personagens são apresentados, já sabemos que os primeiros a morrer serão aqueles que parecem mais apavorados. O medo os faz correr quando deviam lutar, a ficar paralisados soltando gritinhos histéricos quando deviam correr, ou a fazer qualquer outra burrada que os leva direto para o cadafalso.
Na vida real, assim como nos filmes, o medo não é um bom conselheiro. Para reafirmar essa premissa e saciar o eventual academicismo de alguns leitores que possam não se satisfazer com a cultura pop como fonte primária, seguem extratos de pura filosofia e fina literatura:

“Nenhuma paixão pode, como o medo, tão efetivamente
roubar o espírito da capacidade de agir e pensar.” (Edmund Burke)

“Um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos e fazer
que as coisas não pareçam o que são.” (Miguel de Cervantes)

Desafortunadamente, estamos presenciando uma demonstração da verdade dessas afirmativas. Formou-se uma onda idiotológica contra os “direitos humanos”, afirmando que eles só servem pros “bandidos” e que grande parte da criminalidade é por causa dessas “frescuras”. Embora o impacto possa estar sendo reverberado pelo nosso excesso de conectividade, a impressão é de que há uma tendência real de propagação dessas teses. Até porque, como nos ensinou a Matrix, a realidade é o que percebemos.
Pois, se conseguissem raciocinar, perceberiam que a “solução” que estão propondo já é praticada no Brasil há décadas. Afinal, o que podem querer aqueles que reclamam de “direitos humanos pra bandidos”? Que a polícia atire pra matar; que os presos sejam jogados para apodrecer, ao arrepio das leis; que não seja garantida a integridade física, nem a mínima dignidade para os que caírem no sistema penitenciário; de preferência, que nunca mais voltem para as ruas.
O primeiro dogma, portanto, é que a polícia tem que “sentar o dedo”. Ah, se não fosse esse negócio de direitos humanos e deixassem os bons homens da lei mandar a vagabundagem pro saco!
Não seja por isso. Ainda que sob (parcos) protestos, a polícia brasileira é especializada em produzir cadáveres. A média nacional, em 2012, foi de cinco mortos por dia. Somente a polícia do Rio de Janeiro matou mais do que todos os policiais dos Estados Unidos juntos. E não é a única que pode se orgulhar do feito, a PM de São Paulo ostenta o mesmo título. Morram de inveja, caubóis. Em compensação, os norte-americanos prendem muito mais. No ano de 2008, para cada morte provocada pela polícia, houve mais de 37.000 prisões. Em São Paulo, apenas 348 prisões por óbito. Ainda bem que não somos como eles, afinal, os nossos presídios já estão lotados.
Falando em presídios, vamos ao segundo dogma, apodrecer na prisão. Se o suspeito escapa do “auto de resistência”, ele passa para as malhas do Poder Judiciário, e do sistema penitenciário brasileiro. Onde, naturalmente, terá direito a um julgamento justo, respeitando-se o princípio da presunção de inocência, e após, se condenado, cumprirá sua pena numa cela individual, como manda a lei, comendo e bebendo de graça, participando de programas de ressocialização. Tudo garantido pelos militantes dos direitos humanos, que passam todo seu tempo defendendo bandidos. Um sonho, não é?
Só pode ter sido um sonho mesmo. Vamos à realidade. O sistema prisional brasileiro tem 310 mil vagas, e quase 550 mil presos (dados de 2014). Um estudo de 2013 apontou ainda que 44% da população carcerária era provisória, ou seja, sequer foram ainda julgados e condenados pela Justiça. Ganhou notoriedade recentemente o caso de um ator que foi “confundido” com um assaltante e passou mais de dez dias detido. Pasmem, ele não está sozinho, apesar de toda a chateação desses Zés ONG.
Para completar o quadro de estrita legalidade, muitos dos já condenados cumprem pena de forma irregular em delegacias. Num esforço para reduzir a população carcerária, a Secretaria de Justiça do Paraná tem realizado mutirões para análise de processos e expedição de alvarás de soltura. Desde junho de 2011, foram liberados 5.082 detentos. Mais da metade já havia cumprido suas penas e foram “esquecidos” atrás das grades. Reparem que estamos destacando o Sul-Sudeste, estados que, em tese, seriam os mais desenvolvidos da Federação. E que exercitam a boa prática de prender e jogar a chave fora.             
Mas pelo menos a integridade física dos presos o Estado garante, não é? Imagina o escândalo que faria o “direitos humanos”, se morre um vagabundo desses na cadeia!
Se morresse um, talvez eles armassem mesmo uma gritaria. Mas, como morre um a cada dois dias, falta voz. “Ah, mas são os presos mesmo que se matam.” Na maioria dos casos, sim, até deve ser. O que é um espanto, considerando a mordomia de que desfrutam na prisão. Mas não deixa de provar que o Estado está se lixando pro que acontece aos seus custodiados.
A situação é tão bizarra que, consolidando as informações oficiais de 24 estados (não forneceram dados Bahia, Alagoas e Rondônia) a média de homicídios dentro das unidades prisionais, que deveriam ser ambientes controlados, é maior do que a média fora da prisão: 39,6 x 26,5 (por cem mil habitantes). E, claro, quem morre na prisão não volta pras ruas. Assim, caem também o terceiro e o quarto dogmas. Mas não se preocupem, a liberdade de continuar difundindo-os está garantida pelo artigo 5º, inciso VI da Constituição.
Concluímos, portanto, que a claque do “direitos humanos para humanos direitos” não tem nada a lamentar. Ao contrário, deviam comemorar por viver num país que segue à risca o que eles pregam. Não precisam mais clamar pela guerra, pois os tambores já estão rufando há muito, muito tempo. E os espólios são colhidos todos os dias. Ultimamente, andam sendo até arrastados pelo asfalto.

“Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens tem medo da luz.”
Platão



sábado, 15 de março de 2014

Uma breve visão do futuro


Adaptado a partir de anotações encontradas numa agenda perdida em algum ponto 
dos subterrâneos de uma grande capital brasileira, que interpretei como sendo 
os bem intencionados planos de um pai para os seus filhos ainda por nascer.

Eu tenho um sonho.

O sonho é que meus filhos possam crescer e viver em segurança.

Eu tenho um sonho, e sei como realizar esse sonho.

O sonho se tornará realidade se nós construirmos, juntos, três pilares.

O primeiro pilar é uma excelente condição financeira, bem superior a média da população. Isso depende, claro, de uma boa educação formal. Eles devem frequentar escolas de alto nível (assim entendido: que os preparem para o mercado de trabalho), fazer atividades extracurriculares, intercâmbios, para que possam se destacar e conseguir empregos bem remunerados, ou ser empreendedores de sucesso.

O segundo pilar é consciência social.

Eles precisam entender o mundo, sem ingenuidades ou romantismos. Não podem abrir a guarda, acreditar em balelas como direito a “tratamento humano” para criminosos ou que violência se combate com “igualdade social”. Quanto mais gente acredita nessas besteiras, mais aumenta a vagabundagem. Eles, não. Precisam saber que bandido é bandido, não é gente como nós. Só sabendo disso, é possível construir o terceiro pilar.

O terceiro pilar é o cuidado.

Eles devem morar em lugares seguros. De preferência, condomínios com seguranças armados e portões duplos. Tem que manter a devida distância de pessoas estranhas ou suspeitas. Evitar bairros periféricos, caminhos escuros. E, como não é possível passar a vida inteira dentro dos muros dos condomínios, precisarão de mais uma coisa: carros blindados. Quando tiverem que sair às ruas, que saiam bem protegidos.

Que tenham educação para ganhar dinheiro, que usem o dinheiro para garantir sua segurança, e que tenham a consciência social para não ter pudores em, se necessário, passar por cima dos vagabundos com seus minitanques. Assim, eles poderão viver em segurança.

Esse é o meu sonho. Dos pesadelos, eu nunca consigo me lembrar quando acordo.





sexta-feira, 7 de março de 2014

Mamãe, eu quero ser prefeito!



(Luís Roberto Barroso, Ministro do STF, no dia 21/02/2014, na PUC/SP)

Quem diria, aparentemente não sou o único a pensar que o sistema político brasileiro se assemelha a uma plutocracia.
Para quem não domina o conceito, segue uma breve definição: a plutocracia é um sistema de governo no qual o poder é exercido pelos mais ricos. Uma das consequências lógicas desse sistema é a acentuada desigualdade social.
Há, pelo menos, duas maneiras de identificar a presença da plutocracia no Brasil. O primeiro caminho é teórico. Passa pela análise da estrutura do sistema, e das barreiras que ele impõe. Quem tiver interesse em seguir por esse método, sugiro que estude a legislação partidária, em especial os critérios para formação de partidos, a regra do quociente eleitoral, os modelos (até agora) de financiamento das campanhas. Concluirá, por si só, que temos um sistema que serve aos políticos melhor do que serve à política.
Seguiremos, todavia, pelo segundo caminho, mais simples e direto: a análise de evidências. 
Primeira evidência: custa caro ser candidato no Brasil, e mais caro ainda ganhar as eleições. O custo médio de campanha dos deputados federais eleitos em 2010 foi de aproximadamente um milhão de reais, isso considerando apenas os valores declarados à Justiça Eleitoral. E a tendência é de alta: estima-se que nas eleições de 2014 uma cadeira na Câmara poderá custar até 5 milhões de reais!
A segunda evidência decorre diretamente da primeira: a composição atual do Congresso Nacional. Vale a observação de que a soma dos números do gráfico supera as vagas do Congresso porque muitos podem estar classificados em duas ou mais categorias, já que elas não são necessariamente excludentes:


Vamos pensar sobre o que nos diz este gráfico. O mínimo que se espera, numa democracia representativa, é que os cidadãos estejam, de fato, representados. O Congresso Nacional deveria ser, em menor escala, um retrato da sociedade, com representação o mais equitativa possível de cada grupo de interesse. Constataremos, todavia, que alguns grupos estão representados em números muito mais expressivos do que outros:
  • O eleitorado total do Brasil é de aproximadamente 140 milhões;
  • Em meados de 2012, havia mais de 70 milhões de trabalhadores formais no país;
  • Logo, 50% do eleitorado se compõe de trabalhadores assalariados.
  • Cabe aos Sindicatos representar os trabalhadores. Pois lá estão eles no Congresso: 91 cadeiras, de um total de 594 (513 deputados, e 81 senadores). A representação equitativa dos trabalhadores, portanto, é por volta de 15%, embora eles representem, em número, 50% do eleitorado.
Quem será que ficou com as vagas que sobraram?
Vejamos. O grupo com maior número de representantes é o empresariado: 273, ou 46% do Congresso. Nosso povo deve ser muito empreendedor. De fato, em 2009, quando foi feita a PNAD, havia quase 24 milhões de empresários no Brasil. Pesquisas recentes estimam que o número já chegue a 27 milhões. Como não estamos preocupados com miudezas, vamos utilizar o segundo número: 27/140 = 19%.
Logo, o sofrido empresário brasileiro tem um fio de esperança: embora eles representem menos de 20% da população, quase metade do Congresso está pronto a se mobilizar em defesa dos seus interesses.
Quem tiver estômago para fazer os cálculos para a bancada ruralista, favor guardar segredo.
Um momento, isso não é suficiente. Afinal, os representantes podem ser classificados em mais de um grupo. Assim, o fato de ser empresário não significa que ele estará no Congresso defendendo apenas, ou fundamentalmente, os empresários. Ele pode ser um pequeno empresário, com interesses mais próximos dos trabalhadores do que os próprios sindicalistas. Os dados não são conclusivos. Há prova real de favorecimento dessa suposta “classe dominante”?
A pergunta faz sentido. Vamos então para a terceira evidência: benefícios efetivos para os mais abastados, decorrentes de ações dos três poderes da República.
Já tratamos, aqui no blog, sobre a regressividade do sistema tributário brasileiro. Neste próprio artigo, demonstramos que é necessário investir um montante considerável de capital para ter chances de sucesso na política. Iremos além, com exemplos ainda mais peculiares.
Um meliante que pula o muro de uma casa e rouba um aparelho de televisão comete furto qualificado, e poderá ser condenado à reclusão de dois a oito anos. Já um empresário que sonegar, de forma fraudulenta e contumaz, milhões de reais, estará sujeito a uma pena de dois a cinco anosIsso, ainda, supondo que o nosso Poder Judiciário encarasse da mesma maneira os crimes “comuns” e os de colarinho branco, se ricos e pobres fossem julgados objetivamente. Na verdade, as coisas acontecem mais ou menos assim:
Já passamos pelo Legislativo e pelo Judiciário, falta uma ajudinha do Executivo. Não seja por isso: o crédito mais barato do Brasil é oferecido aos empresários, via BNDES.  A instituição inclusive parece se orgulhar de ter a maior parte de sua carteira formada por grandes empresas: 

As coitadas pagam escorchantes juros básicos de 5% ao ano, mais taxa de risco de crédito e remuneração do BNDES. Essas duas taxas são fixadas caso a caso pelo banco. Apenas como exemplo, no leilão de Belo Monte o custo total foi inferior a 9%.
O cidadão comum, por sua vez, a menos que tenha condições de pegar as sobras do BNDES (linhas direcionadas para pessoas físicas), paga quase 40% ao ano. Mesmo as taxas de crédito imobiliário são, em média, superiores às praticadas pelo BNDES. Tudo bem, afinal, ele empresta pra quem mais precisa!
Quem achou que foram poucos exemplos, garanto que houve seletividade, para não alongar demais o texto. Quem procurar, achará o suficiente para encher uma enciclopédia.
Mas ainda não basta. Vamos para a quarta evidência, sem a qual não poderíamos caracterizar a plutocracia: acentuada desigualdade social.
Recapitulando: não vivemos efetivamente em uma democracia, pois quem exerce o poder de fato não é o povo, mas sim os donos do dinheiro. O poder econômico os conduz aos cargos políticos, onde, naturalmente, fazem leis para preservar seus próprios interesses, perpetuando as inconsistências e a desigualdade social. Não podemos fugir desse ciclo simplesmente votando em “outros”, porque as candidaturas que não tem suporte de capital se revelam inviáveis, não conseguindo sequer comunicar ao eleitor sua existência, que dirá vencer eleições. Diante desse quadro, será que a melhor saída para o Brasil é mesmo o aeroporto?
Não creio. Na verdade, quanto mais pesquiso e escrevo sobre o país, mais me convenço de que os problemas são tão evidentes, que a maioria deles pode ser combatida com relativa facilidade, e por diferentes caminhos. Claro, se tivéssemos vontade de resolvê-los.

Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas.
Sun Tzu, A arte da guerra