quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Uns mais iguais que os outros

Causou alvoroço na corrida eleitoral em São Paulo o contraste entre o discurso e a prática do candidato do PSDB: dono de discurso inflamado contra os movimentos sociais de ocupação, ou “invasores”, Doria se viu em maus lençóis quando foi revelado que ele próprio ocupava (invadiu?) irregularmente um terreno em Campos do Jordão, mesmo após decisão judicial determinando sua devolução ao município.
Fosse mera hipocrisia, o problema estaria resolvido por aí. Nada mais normal do que um político com múltiplas faces. Porém, o caso remete a uma distorção ainda mais profunda, que é a legítima crença de que a lei no Brasil não pode ser igual para todos.
Não culpemos o candidato por acreditar nisso – até porque a crença é verdadeira. Tampouco deve causar surpresa a “revelação” de que o sistema legal protege os mais favorecidos; afinal, o poder econômico e o poder político no Brasil sempre viveram em simbiose. Estranho seria se quem detém esse poder aprovasse leis prejudiciais a si mesmos.
O que nos resta, portanto, é pensar nos porquês. Por que os desfavorecidos aceitam a perpetuação das injustiças? E mais do que aceitar, muitas vezes a legitimam, como poderemos comprovar no domingo pelos milhões de votos que ganhará o candidato que sabe que a palavra “justiça” para ele não tem o mesmo significado que tem para um sem-teto.
A pergunta rende possibilidades variadas de resposta, a depender da ideologia de quem retrucar. Há até quem acredite que é assim mesmo que tem que ser, e afirme a plenos pulmões o retrógrado conceito da “igualdade” que trata igualmente os desiguais, ou da “meritocracia” em que 1% da população larga com dez voltas na frente dos outros 99%.
Pretendendo, porém, fugir da ideologia, afirmemos um ponto mais pacífico: se alguém é prejudicado sempre, e não reage, grande parcela da responsabilidade recai na sua própria apatia. E essa apatia nasce da ignorância sobre sua real condição. 
A bandeira da educação é antiga, e (quase) unânime. Mas, sem prejuízo da matemática, o grande salto depende de educação para a cidadania. E por mais difícil que seja combater uma doença quando os “remédios” são receitados pelos próprios agentes infecciosos, começa a se impor o desejo da sociedade por mais participação política, por consciência plena dos seus direitos e deveres. E, apesar de todas as forças em contrário, nada é mais forte do que uma ideia cujo tempo chegou.
Como no rompimento de uma represa que já suportou pressão demais, surgem por todo o país campanhas que buscam conscientizar, mobilizar, promover a tal “educação para a cidadania” e, com o apoio da sociedade, conquistar avanços efetivos na busca da igualdade de todos perante a lei.
Gostaria de destacar apenas duas iniciativas, que ilustram muito bem um dos atuais focos de desigualdade: a injustiça fiscal, que se revela com clareza na regressividade do nosso sistema tributário.
Quanto custa o Brasil” é o tema da campanha do Sinprofaz, Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda, que tem o objetivo de “conscientizar a população brasileira sobre a urgente necessidade de mudanças no sistema tributário e levar ao Congresso Nacional propostas de reforma tributária”.
Já a campanha “Pobrepagamais” denuncia a seletividade inversa do ICMS no estado de São Paulo: além do imposto, por sua própria natureza, pesar proporcionalmente mais sobre quem tem menor renda, as alíquotas de muitos produtos básicos em São Paulo são mais altas que as de alguns produtos supérfluos. A iniciativa é do Sindicato dos Agentes Fiscais do Estado de São Paulo (SINAFRESP).  
Essas campanhas nascem do exercício da cidadania de servidores públicos que possuem muita, mas muita vontade de mudar o país. E que estão fazendo aquilo que políticos aferrados aos interesses dos grupos que se beneficiam das injustiças do sistema jamais farão: trabalhando em prol do bem comum, única razão legítima para a própria existência do Estado.
Por isso, da próxima vez que se pegar pensando, “precisamos mudar o Brasil”, pense um pouco mais: já estamos fazendo isso. O que precisamos, de verdade, é que mais gente se levante e ajude a mudar o Brasil.