terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O despertar da força


Quem acompanha o blog deve perceber que encaro o futuro com otimismo. Não tenho dúvidas de que hoje estamos melhor do que há cinquenta anos, e sigo acreditando que, entre tropeços e quedas, estaremos ainda melhor daqui a mais algumas décadas.
Reconheço que é difícil acreditar nisso quando um ano se encerra e os destaques das tradicionais retrospectivas são atentados terroristas, guerras, epidemias, mares de lama (tanto literais quanto metafóricos). Mas mesmo os túneis mais escuros possuem uma saída, que podemos encontrar se começarmos a seguir os sinais certos.
O problema é que estes sinais, se existem, não se mostram da mesma maneira para todos. Enxergamos o mundo pelas nossas próprias e distorcidas lentes. Mesmo assim, por vezes há sinais tão claros que não conseguimos entender porque ainda estamos parados no mesmo lugar.
O que nos impede de seguir o caminho aberto pelos estudantes de São Paulo, que tiveram suas reivindicações atendidas após ocuparem mais de duzentas escolas em resposta a um decreto de “reorganização escolar” que implicaria no fechamento de unidades e transferência de alunos?
Eles conseguiram o que reclamamos desde sempre: exercer efetivamente a democracia. Confrontados com uma decisão arbitrária do governo, que afetaria diretamente suas vidas, decidiram não aceitá-la. Lembraram-se do que a maioria de nós esquecemos, ou nunca soubemos: que a existência do Estado só se justifica se for para servir à sociedade.
Tomaram de volta o que já era deles. O decreto foi revogado. O secretário responsável pela “reorganização”, vendo frustrado o propósito de impor sua visão superior aos incômodos governados, caiu. Os alunos continuam e continuarão nas mesmas escolas.
Se derrotas tem muito a nos ensinar, podemos aprender ainda mais com as vitórias. Quais foram os motivos que levaram ao sucesso dos estudantes? Poderíamos imitá-los e nos mobilizar para influenciar outras decisões de governo e ter o mesmo êxito em campos tão diversos como o combate à corrupção, a melhor prestação de serviços públicos, a transparência e moralização da política?
Para responder, precisamos antes refletir se estamos dispostos a nos dedicar a estas batalhas como os estudantes se engajaram na luta pelas suas escolas. É provável que 99% da sociedade afirmará enfaticamente condenar a corrupção. Porém, um percentual desprezível se disporá a sair às ruas, monitorar o uso dos recursos públicos, ocupar o Congresso, enfim, a adotar atitudes efetivas para atingir o objetivo que afirmam almejar.
Comparando a luta pelas escolas e a revolta generalizada com “tudo isso que está aí”, há pelo menos uma diferença fundamental: no caso dos estudantes, havia uma demanda claramente definida, e uma projeção cristalina de como seria o futuro no caso de sucesso ou fracasso. Entre a opção de nada fazer e perderem suas escolas, ou assumirem o risco de enfrentar o governo, preferiram o enfrentamento.
Não parece assim tão complicado decidir entre uma derrota certa e a possibilidade, ainda que remota, de vitória. Mas esse quadro se torna nebuloso quando tratamos de temas genéricos, ou intangíveis.
Sonhos podem mobilizar pessoas, mas apenas se forem pintados com cores vivas o suficiente para que seja possível acreditar neles. Entre o mundo que temos e aquele que queremos há um abismo muito mais difícil de atravessar do que aquele que foi cruzado pelos estudantes paulistas para não perderem suas escolas. O que nos separa de um admirável mundo novo, porém, não é apenas o fato dele parecer estar tão longe que não conseguimos vê-lo, mas antes nossa incapacidade de crer que outro mundo é possível.
Cegos para as pontes imaginárias entre pequenas batalhas e grandes conquistas, nos refugiamos no ceticismo e na resignação. Sabemos que grandes jornadas começam com o primeiro passo, mas ninguém pretende expor os pés descalços a uma trilha de espinhos sem saber o que aguarda no final do caminho. Se pretendemos alcançar um novo lugar, precisamos antes saber exatamente para onde queremos ir.
Mas como rumar para um destino que não está marcado em nenhum mapa? Simples: o inventamos, assim como os estudantes inventaram um mundo em que suas escolas não seriam fechadas.
Precisamos construir uma nítida visão do futuro, tão clara que possamos senti-la se materializando a nossa volta pouco a pouco, em cada brasileiro que seja salvo da miséria, em cada árvore plantada, em cada palavra escrita e compartilhada, em cada sorriso de criança, em cada ato que reafirme a honestidade, em milhares de primeiros empregos, primeiros beijos e últimas esperanças.
E então nos amarramos a essa visão, tijolo por tijolo, assim como os estudantes se amarraram a suas escolas.