sábado, 5 de setembro de 2015

Valar Morghulis



Atribui-se ao filósofo grego Epicuro a seguinte passagem: “A morte não nos diz respeito. Pois, enquanto vivemos, a morte não existe. E, quando ela chega, nós já não existimos”.
Epicuro, porém, se esqueceu (ou fingiu se esquecer, para validar o próprio argumento) de que não passamos por este mundo sozinhos. Basta vivermos tempo suficiente que a morte nos atingirá uma, duas, três, quantas vezes ela vier. Até que venha para nós. Só então, finalmente, não importará mais.
Enquanto isso, parece que sempre haverá algo que ela possa nos roubar. As palavras que gostaríamos de ter dito. As que dissemos, mas queríamos dizer de novo. As promessas que não pudemos cumprir, e as que nunca fizemos. Os sorrisos que ficaram para trás. O passado que não poderá ser repetido. O futuro que não existe mais.
Não é nada fácil, portanto, agir como pregava o filósofo e simplesmente ignorar a morte. Enganamo-nos, porém, se pensarmos que ela de fato nos rouba alguma coisa. Tudo que a morte possa levar nunca havia sido de fato nosso. Nunca poderia ter sido. Tudo que realmente é, ou possa ser nosso, está fora do alcance da morte. A menos que resolvamos, por conta própria, caminhar para a sombra, permitir que ela invada o que não lhe pertence.
Virão, sim, dias que nascerão somente para outros olhos. Horas incontáveis, intermináveis, sem nossos pais, filhos e amigos. Lágrimas que correrão de nós, e por nós. Que a escuridão se estenda sobre esses dias, pois lá é o lugar dela. Mas apenas sobre eles. Não cedamos sequer um segundo a mais.
Que o tempo para morrer jamais supere o tempo para viver. Haverá, sim, tempo para chorar, sempre demasiado, e tempo para ser feliz, que teimará em acabar tão rápido. E como eu gostaria que houvesse tempo para encontrar as palavras perfeitas, que traduzissem o ensinamento mais importante e tão simples da vida: que ela seja nossa enquanto é. Mas nem sempre há tempo, e eis que já se vão muitos dias olhando para a tela em branco, procurando a frase final. Temendo, bem lá no fundo, que ela nunca apareça. Sabendo que, um dia, qualquer dia, não haverá mesmo tempo para mais nada.
Mas hoje não foi esse dia. Hoje, não. Hoje, consegui escrever até o fim. Hoje, não precisei deixar nada para trás. Hoje, descobri que nem precisava ter escrito nada, porque há mais de cinquenta anos houve um par de gênios que disseram tudo em poucas frases... pois é isso que os gênios fazem. Deixam presentes para nós. Provam que a vida não acaba quando termina. Iluminam aqueles momentos mágicos em que a vida vale a pena ser vivida. E, se ao ler estas linhas você se lembrar de alguma pessoa que fez isso por você, saiba que ela também foi genial. Chore se tiver que chorar. Mas antes de chorar outra vez, lembre-se: amanhã pode chover de novo. Então é melhor seguir o sol.