Nos últimos dias, viralizou nas redes o texto de um norte-americano que, após viver por alguns anos no Brasil, decidiu partilhar suas impressões, um tanto críticas, sobre a cultura nacional. Ele creditou a maior parte dos problemas do país aos padrões de comportamento vigentes por aqui: o “jeitinho”, a vaidade, a leniência com a corrupção, o pouco ânimo para confrontos, o vitimismo.
Como nós, brasileiros, adoramos quando falam mal de nós
(só não gostamos mais disso do que de falar mal de nós mesmos, e só o
que gostamos mais do que falar mal de nós mesmos é fazer isso na terceira
pessoa), vieram os previsíveis aplausos para o americano. Também houve vozes dissonantes, mas de modo geral a repercussão parece ter
sido mais positiva do que negativa.
Embora reconheça os méritos do autor ao produzir uma
crônica que em instantes se tornou popular, e reconhecendo a importância da
discussão que desencadeou (tanto que também compartilhei o texto), não
compactuo com a conclusão, bem chutada, de que “nós” somos o problema. Do mesmo
modo que não me alinho ao “pachequismo” de não aceitar críticas, ou de ficar
eternamente jogando a culpa nos portugueses, nos holandeses, nos ianques, na
revolução bolivariana. A discussão em torno desses dois pólos conduz a lugar
nenhum, exceto a uma variante do enigma de Tostines: o Brasil tem problemas há
séculos por causa da cultura, ou a cultura é assim porque o Brasil tem
problemas há séculos?
Ora, não faz diferença nenhuma se a culpa é dos colonizadores, da família imperial, do Fidel Castro ou do Rockfeller. O português
não vai voltar aqui pra consertar o que tiver estragado; mesmo porque, depois
do português, tantos outros já vieram aqui para se divertir, levar nosso
dinheiro, e ainda deixar uns palpites como cortesia. Quem precisa resolver a
parada somos nós mesmos (de preferência, falando na primeira pessoa). E
dificilmente avançaremos com vira-latismo ou autoflagelação.
Claro que não podemos ignorar as pequenas coisas, que nem
são tão pequenas assim. Como seria bom um país sem furadores de fila, sem roubadores
de troco, sem pilotos amadores de fórmula 1 ignorando sinais vermelhos e faixas de pedestres, sem carros estacionados em lugar proibido. Um país em que votos
não fossem trocados por presentes e cargos públicos, em que não coexistissem a
revolta com a corrupção alheia e a complacência com os próprios desvios. E como
seria bom se pudéssemos mudar tudo isso só repetindo, dia após dia, que nossa
cultura é um lixo, que precisamos ser mais educados mais respeitosos mais
cidadãos etc. e tal. Mas, se “o brasileiro” não tem cidadania porque nunca foi
tratado como cidadão, ou vice-versa, já não importa, pois não é crível que
consigamos separar um fator do outro.
Por exemplo, a sonegação: jurídica e moralmente, é
condenável? Sem dúvida. Mas não vamos reduzi-la sequer em milésimos de centavos
apenas com outdoors e palavras de
ordem. Enquanto persistir a falta de transparência sobre a arrecadação e uso
dos serviços públicos, a percepção generalizada de corrupção e mau uso dos
recursos, jamais teremos uma sociedade comprometida a pagar corretamente os
próprios impostos e combater a sonegação.
Aplicando esse raciocínio a tantas outras mazelas do
cotidiano, pode-se inferir que o determinante maior do comportamento que virou estereótipo do "brasileiro" não é a vaidade, nem a
ganância, tampouco o coitadismo. É a desilusão.
De que adianta ser tão honesto, se ninguém mais é? Por
que não jogar lixo na rua, se ela já está imunda mesmo? E daí se o empresário está
sonegando, que diferença faz se o dinheiro fica com ele ou com o governo? Não
lembro nem em quem votei, mas não são todos iguais?
Podemos ficar décadas, gerações, lamentando por sermos
tão ineptos, ou por termos sido tão explorados. Tanto faz, o fracasso será
certo em qualquer dos caminhos.
Podemos continuar falando de nós mesmos na terceira
pessoa e puxando a orelha do “brasileiro” que não sabe votar, não tem educação,
não exerce a própria cidadania.
Ou podemos, só pra variar um pouco, tentar outra saída:
combater a desilusão.
Podemos, só pra variar, acreditar que se pararmos de
jogar lixo nas ruas elas ficarão limpas. E, depois que estivermos convencidos, convencemos
outras pessoas. Que um dia, de tanto insistirmos, acabarão acreditando também,
e convencendo mais pessoas. Até que, como se fosse de repente, as ruas ficarão
mesmo mais limpas.
Podemos, só pra variar, cultivar novas virtudes, em vez
de ruminar velhos vícios.
Ou podemos continuar dando chibatadas nas próprias
costas. Aliás, nas costas do “brasileiro’, esse nosso indesejável parente
distante.