Eis que, num dia cinzento
e particularmente sem graça, me sinto compelido a escrever sobre uma tragédia
em potencial. Tarde demais, reconheço: a essa altura até o governador deve
estar sabendo que São Paulo está contando os dias para se candidatar a cenário
do remake de Lawrence da Arábia.
Não demorei tanto a
abordar o tema por ignorá-lo; de fato não sei patavina sobre gestão de recursos
hídricos, mas imagino que não seja nada de muito complicado. Se fosse, não
teriam aparecido tantos catedráticos de uma hora pra outra. Ou talvez isso se deva
a extraordinária capacidade de aprendizado do brasileiro. Se na Copa todos
viram técnicos de futebol, é natural que num tempo de águas escassas pululem
especialistas em engenharia ambiental, desenvolvimento sustentável, regimes
fluviais, pluviais, aluviais, e o ©@®α£≠J. Apareceu até psicólogo amador
diagnosticando “stress hídrico”.
Eu, porém, não tinha o que
dizer mesmo. Até pensei em algumas piadinhas, mas relutei em brincar com tema
tão delicado. Ainda mais em tempos particularmente perigosos para os humoristas
(e o pior nem é ser fuzilado, mas ficar levando esporro do Papa depois de
morto).
Claro que nem todos
compartilham dos meus receios e escrúpulos. E, num claro contra-ataque ao monte
de leigos que se aventurou a dar palpite sobre gestão hídrica, o presidente da
Sabesp resolveu atacar de comediante. Concluí que não tenho a capacidade de
superá-lo, então pego emprestadas suas pérolas, com os devidos créditos.
Infelizmente não resisti à tentação de tecer comentários, espero que eles não
estraguem as piadas.
“Se for necessário chamar
isso de racionamento, que assim seja. O relevante é impedir que ações na
Justiça, de proteção a supostos direitos individuais, atentem contra a
segurança hídrica de todos.”
A coisa anda tão feia que
até os rios estão sendo assaltados. E eu aqui pensando que a “segurança
hídrica” estava ameaçada porque a empresa que devia cuidar disso vacilou. Que
nada, a culpa é das pessoas que futuramente, quem sabe, poderão entrar na
justiça contra a companhia cobrando que ela faça aquilo que assumiu a obrigação
de fazer. E o “relevante” não é buscar formas de resolver o problema, mas
impedir que surjam essas inconvenientes reclamações.
"O evento do ano
passado, do ponto de vista hidrológico, foi imprevisível."
Esse cidadão deve ter
passado os últimos doze anos em retiro espiritual, pois desde 2003 já havia
alertas sobre o risco de uma pane no sistema hídrico paulista. O que foi
previsto não pode ser imprevisível. Isso é tão lógico quanto hidrológico. (Que
trocadilho infame, tem certeza que vai deixar isso aí?)
"Nenhum administrador
público de qualquer nível seria considerado prudente se fizesse um
sobreinvestimento tão grande para enfrentar algo que nunca tinha sido
enfrentado."
Acho que ele quis dizer
que, se não acontecer nada de errado, tudo fica bem. Mas, se der alguma merda,
é melhor chamar outro. E eu pensando que para administrar precisava ter a
capacidade de planejar, prever cenários, enfrentar problemas. Se basta agir no
automático e depois botar a culpa no mundo, qualquer idiota pode se candidatar
ao cargo. Será que pagam bem?
"São Pedro tem errado
a pontaria, tem chovido, mas não onde deve chover."
Essa passou dos limites.
Só espero que semelhante blasfêmia não chegue ao conhecimento do Vaticano, já
temos problemas demais.
E, depois de chegar ao fim
da matéria em que foram expostos tão brilhantes argumentos, percebi que não precisava ler mais nada. Até porque, no fim das
contas, me debruçar sobre um monte de artigos, entrevistas, gráficos de
distribuição de chuvas, índices pluviométricos, projeções e simulações, não
diminuiu em nada minha ignorância sobre o assunto. Somente após as sábias palavras do presidente da Sabesp,
e levando em conta ainda o histórico de declarações do eminente governador, foi que atinei com a
única solução possível para o problema a essa altura dos acontecimentos. Não me
agradeçam, o mérito é todo da banda: