terça-feira, 9 de junho de 2015

A Estrada da Fúria


O assunto da semana é o Cristo LGBT. Mas não, não vou escrever sobre isso, até tenho a impressão de que já nos deparamos com essa celeuma antes, quando uns malucos metralharam uma revista na França. Ah, lá era um desenho de Maomé, Jesus não é sequer parecido com Maomé. Depois, aqui não teve nem um tirinho (ainda). Nada a ver essa comparação, eram (alguns) muçulmanos contra o mundo lá, (alguns) cristãos x (alguns) gays aqui. 
De fato, quanta diferença!, a conclusão é a mesma: precisamos de outro século das luzes. Que seja logo o XXI, para que alguém consiga chegar ao XXII.
Por coincidência ou não, entre uma onda de intolerância e outra convivemos com um fluxo regular e insistente de demonstrações de boa vontade e espírito cristão. Quando não há uma transexual crucificada para espezinhar, a tradicional família brasileira tem se engajado numa trinca de causas nobilíssimas: a redução da idade penal, o direito ao porte de arma, e a pena de morte.
As manifestações de apoio a essas magníficas proposições são um espetáculo a parte. Vídeos de execuções e espancamentos viralizando. Centenas, milhares de comentários de celebração e êxtase, a cada notícia de um suposto marginal abatido nas guerras urbanas. Se for menor de idade, melhor ainda, afinal, esses pivetinhos não respondem por nada mesmo. Também quero uma arma, matar uns vagabundos, gravar um vídeo. Vai bombar no youtube! Menos escolas, mais prisões. Espera, isso tá errado. Menos prisões, mais cemitérios. Quanto mais idiota, melhor. Não, esse é outro filme. Volta pra realidade, termina o texto.
Lendo o parágrafo acima, tudo parece muito simples. Vamos desistir da humanidade, só tem malucos rumo ao autoextermínio. Mas, assim como as pessoas podem estar erradas pelos motivos certos, também podem estar certas pelos motivos errados. No meio desse festival de truculência, às vezes encontramos argumentos sérios, que mereceriam debate, vinculando as mudanças sugeridas a uma possível redução da criminalidade, justificando cientificamente a necessidade de uma revisão da idade limite para a responsabilização penal (acho estranho que ninguém fale de reduzir a idade civil também, os pacatos adolescentes de classe média adorariam poder tirar carteira de motorista com 12 anos, mas deixa isso pra outro dia), tratando o porte de arma como uma liberdade individual, etc. e por aí vai.
Malgrado já ter analisado uma penca de argumentos bons, ruins e execráveis de ambos os lados, sempre fui contra todas essas três propostas. E não foi por estar comprometido com os dez mandamentos ou os valores cristãos. “Não matarás”. “Dê a outra face”. É tão bom que essas coisas sejam ensinadas no catecismo dominical. Pena que a maioria dos fiéis esqueça das lições já na segunda-feira.
Nunca conseguia, tampouco, encontrar motivações racionais para justificar minha aversão, já que as pesquisas e teses divergem em alguns casos, são muito próximas em outros, enfim, jamais conseguiram me convencer, nem para o bem nem para o mal. A verdade é que nunca soube exatamente por que todas essas ideias, ou cada uma delas, me desagradavam tanto.
Claro, agora já sei. Para alegria daqueles que procuram respostas para as perguntas que não conhecemos, rumamos para uma conclusão. Para a minha conclusão, pelo menos. Quem não gostar que siga procurando a sua.
Meus motivos não tem a ver com o jeito que o mundo é. Nem com aquilo que pode acontecer com ele se passarmos a construir prisões para maiores de 16 anos em vez de 18, ou se supostos criminosos passarem a ser executados no aconchego de câmaras de gás e cadeiras elétricas depois de um longo processo judicial em vez de serem fuzilados sem demora no alto dos morros, na escuridão dos becos e nos rincões do ah-se-fosse-nosso Brasil. Tudo em que penso é no mundo em que não quero viver.
Não sei se encarcerar supostos delinqüentes juvenis a partir dos 12, 14 ou 16 anos reduzirá a violência urbana. Mas sei que não quero viver num mundo em que desistimos de educar nossos jovens e resolvemos, ao invés, amontoá-los em prisões, valas comuns e cemitérios.
Tampouco sei se institucionalizar a pena de morte evitará crimes hediondos, se salvará mais vidas do que as que serão tomadas. Mas sei que não quero viver sob a égide de um Estado que considere legítimo causar a morte dos próprios cidadãos. Quero um Estado que cumpra sua finalidade essencial, promover o bem comum. E não um que promova a solução final. E quão estranho seria incluir a pena capital numa Constituição promulgada “sob a proteção de Deus”! Bem, pelo menos isso poderia ser resolvido se virássemos um estado laico.
E as armas? Estaríamos mais seguros se pudéssemos carregar pistolas e espingardas para nos defender? Precisamos nos proteger de tantas ameaças, bem que uma bazuca seria útil de vez em quando. Há apenas um único e mísero detalhe de que não gosto sobre as armas. Elas servem para matar pessoas. E não, não quero viver num mundo em que eu saia de casa todos os dias preparado para eliminar outros seres humanos. “Ah, mas tem muitos bandidos soltos por aí, prontos para matar. Eles não ligam pra isso.” Verdade. Ainda bem que somos diferentes deles. Que não temos sangue em nossas mãos. Que nos importamos. Que não desistimos.
No fim, tudo é tão simples. Por mais cinza que o mundo se torne, ou pareça se tornar, o dilema é sempre o mesmo. Caminhar para a escuridão, ou para a luz. Marchar para a guerra, ou praticar a paz. Responder na mesma moeda, ou dar a outra face. Matar ou viver.