“Em tempo de guerra, a primeira vítima é a verdade.”
Boake Carter
Há quem tema que o
crescente acirramento de ânimos no país nos levará a um panorama de guerra
civil. Não há mais o que temer (sem trocadilho), a guerra já começou.
Para quem duvida, vamos às evidências. Primeiro, o
sepultamento da verdade. Um estudo da USP apontou que três das cinco reportagens mais compartilhadas na rede social facebook na semana do impeachment eram falsas. Não é que as pessoas
não possam conferir se uma denúncia é ou não verdadeira, ou sejam preguiçosas
demais para fazê-lo; simplesmente pararam de se importar.
Aceitar e reproduzir quaisquer mentiras, desde que estas
ajudem o “seu” exército a avançar, reflete um padrão de conduta típico da
guerra: a relativização de condutas que, em tempos de paz, seriam claramente
reprováveis. Afinal, quem está lutando numa guerra não pode se dar ao luxo de
respeitar princípios éticos, os dez mandamentos, ou a Declaração dos Direitos
Humanos. Vale tudo, como dizia Tim Maia; só não vale dançar homem com homem nem
mulher com mulher, bradam enfurecidos os combatentes perfilados à extrema
direita do salão.
Mentir vale, ofender também vale. Dizer que roubou porque
todo mundo rouba, está valendo. Exaltar torturador rende até aplausos; aqueles
que tem vontade de aplaudir, mas sentem um pouco de vergonha, saem pela
tangente com imitável estilo: o “meu lado” pode até ter homicidas, psicopatas e
torturadores, mas o “lado de lá” tem muito mais, vamos fazer as contas? Eu
cuspi no coleguinha (sério que isso vai virar moda?), mas só porque ele me
xingou primeiro, foi ele quem começou! Ah, que falta faz um bedel pra botar
todos esses malcriados pra fora!
Começamos a não perceber os limites, sinal de que estamos
perigosamente próximos da destruição mútua assegurada.
Completando a lista de evidências, toda guerra precisa de um objetivo, ou ao menos
de um pretexto. A que agora assistimos (ou todos participamos?), sem dúvida, é
um duelo pela tomada do poder.
Mais difícil, porém, do que perceber que há uma guerra em
curso e escolher um lado para se “alistar”, é enxergar que não podem existir só
dois lados. Ah, não!, a pretensa volta da Monarquia não conta como terceiro
lado. Deve ser só alívio cômico pra suavizar o enredo, não pode ser sério isso.
Encurralados entre duas forças que pouco se importam com
a contagem de corpos, nosso grande desafio não é vencer a guerra, mas apenas
sobreviver a ela. Não é alimentar o ódio até a aniquilação total do inimigo,
mas enxergar que podemos estar lutando contra os inimigos errados, pois os
verdadeiros algozes não marcham do lado oposto da rua, mas assistem a tudo dos gabinetes
refrigerados dos palácios.
A “ponte do futuro” não será erguida a partir de
escombros e lembranças de páginas tristes da nossa história. Mas ainda podemos
ter esperança de construí-la, se pararmos de jogar os tijolos uns nos outros em
nome de falsos ídolos.
“Quando os ricos fazem a guerra, são
sempre os pobres que morrem.”
Jean-Paul Sartre