O texto mais lido do blog até hoje foi dedicado à análise do sistema tributário nacional, na qual destaquei a sua nefasta regressividade. Traduzindo: no Brasil os mais ricos pagam, proporcionalmente, menos impostos do que os mais pobres.
Pesado, injusto, labiríntico,
hiper-normatizado. O sistema tem tantos defeitos que não é de se estranhar que
reforma tributária seja um tema contumaz nas discussões sobre os rumos do Estado.
Reclamamos da carga tributária dia sim, o outro também. E será que os atuais
presidenciáveis estão dispostos a fazer algo nesse sentido?
Veremos, começando pelos representantes dos partidos que governaram nos últimos vinte anos.
Nenhum dos dois propõe redução da carga. O PSDB afirma que “O Brasil é um país
de elevada carga tributária”, em seguida expõe que “aumentar a carga deixou de
ser uma opção viável” (Rolando Lero assinaria essa), e conclui que “é possível avançar na redução
do número de impostos e contribuições.” Ou seja, a carga permanece a mesma, numa estrutura mais enxuta. E como seria a proposta de simplificação?
Não está escrita em lugar
nenhum. Querem montar uma Secretaria Extraordinária para
elaboração do projeto de simplificação!! Mas não é esse candidato que
repete o tempo inteiro que tem muito ministério, muita secretaria, que precisa cortar? E ele propõe inventar mais um cabide de emprego,
sob o pretexto de montar um projeto que deveria estar pronto desde ontem, para ser debatido na eleição?
Mas, calma, ele já tem algumas ideias em gestação.
Corrigir a tabela do IR (jenial, hein?), criar um “cadastro único” e agilizar
o aproveitamento de saldos credores acumulados junto ao fisco. Essa última
acho melhor nem comentar.
Com certeza a candidata oficial fará um ácido contraponto. Afinal, todo mundo sabe que PT x PSDB é o Fla x Flu
da política nacional. Infelizmente, nesse caso particular parece que misturaram
as camisas no vestiário. Tudo que a Presidente propõe é
“simplificação tributária” e “debater a estrutura tributária”. Para ficarem
idênticos e fazerem ainda mais jus ao apelido de irmãos siameses, só faltou Dilma criar uma Secretaria para estimular esse debate.
Por incrível que pareça, após ler essas
“propostas” quase recuperei um pouco de fé na classe política. Sim, pois
esperava encontrar promessas de redução da carga tributária, racionalização
econômica do sistema. O que seria o cúmulo da cara de pau, já que os dois
juntos elevaram a carga em quase oito pontos (em % do PIB, sendo 4,03% nos oito
anos de FHC, e 3,78% nos onze anos de Lula/Dilma), editaram uma infinidade de
normas, e jamais adotaram qualquer medida efetiva para reverter a
regressividade. Não fizeram, e admitem que continuarão sem fazer. Pelo menos
foram coerentes.
Falando de coerência, Marina também
passou por aqui. E com propostas mais ousadas, que fogem da agenda cartesiana
de governo. Ela promete uma reforma com base nas seguintes diretrizes:
não-aumento da carga, simplificação, eliminação da regressividade (oba!), blá
blá, pula essa parte, melhor repartição das receitas.
Supondo que essas propostas ainda estejam
no programa de governo dela (porque já tem uns dois dias que acessei), são bem
mais promissoras do que a confessada intenção de nada fazer de petistas e
tucanos. Alguém fez pelo menos parte da lição de casa. Mas faltou muito para a
nota dez. Marina também evita falar em redução da carga, é “não-aumento”. Onde
foi que ouvi isso antes? Soa melhor do que “manutenção”, mas realmente
detesto jogos de palavras que partem da premissa de que o (e)leitor é idiota.
Certo, isso é um problema só meu, vamos adiante.
O que realmente preocupa no programa
do PSB é que, quando vão detalhar as (poucas) medidas que sugerem, só falam em reduzir, desonerar.
Ora, se o bolo vai ficar do mesmo tamanho, e só dizem o que pretendem
cortar, de onde vai sair o resto do dinheiro? Que parte do plano estão
escondendo? Ou não há plano algum?
Eduardo Jorge não tem nada a ver com
isso, e manda um papo bem mais reto. Não vai aumentar a carga. Se puder, vai
ver se descola umas gambiarras pra reduzir. E tem uma bala de prata no gatilho:
o “imposto único arrecadatório sobre movimentação financeira”, um tipo de CPMF
tratada com esteróides anabolizantes. Caso alguém não se lembre, a CPMF era um
tributo que incidia sobre qualquer movimentação bancária, cuja última alíquota
foi de 0,38%. A proposta do “imposto único” sugere uma alíquota de 2,81%. Se a antiga alíquota já estimulava soluções criativas (empresas carregando
malas de dinheiro, cheques endossados 419 vezes), imagino o que aconteceria
com essa de 2,81%. O cidadão ia preferir fazer exame de próstata a colocar um
centavo no banco. Acho que veríamos um deslumbrante revival da
economia do escambo. Isso, para não citar que toda a arrecadação nacional
estaria sob controle das instituições financeiras. Desculpa Mito, mas nessa não
dá para fechar com você não. Passa a vez.
O espaço está acabando, então vou olhar
só mais uma proposta. Putz, ainda tem mais sete candidatos, deixa sortear um
aqui... hum, Luciana Genro.
A proposta do PSOL tem, basicamente, só
uma diretriz: mudar a estrutura de regressiva para progressiva. Ah, para punir
quem é rico! Como em Cuba e na Coréia do Norte, não é? Olha, não
tenho a mínima ideia sobre como funciona o sistema tributário desses dois aí. Mas
sei que nos Estados Unidos, na Austrália, no Japão, na Alemanha, enfim, em
países fãs do livre mercado e com alto IDH, a carga é progressiva. Então, quem
relaciona tributação justa com “ameaça comunista” devia estudar mais.
Em todo caso, até aí não fizeram grande coisa.
Qualquer um que estude minimamente o assunto diria que é uma diretriz óbvia.
Pois é, mas os únicos que disseram o óbvio foram o PSB e o PSOL. E o PSOL foi
além, pois explicou como pretende realizar isso:
1. Modificação do sistema de alíquotas, para
que os ricos paguem proporcionalmente mais impostos do que a classe média e os
pobres;
2. Eliminar boa parte das desonerações;
3. Tributar mais o capital do que o trabalho;
4. Instituir o IGF, imposto sobre grandes fortunas, que está há 26 anos na lista de “coisas que estão na Constituição mas que não era pra fazer de verdade”;
5. Eliminar subsídios em financiamentos para grandes empresas e grupos econômicos; ou seja, reverter a lógica pela qual opera o BNDES, que privilegia os “amigos do rei”;
6. Acabar com o financiamento público para empresas estrangeiras;
7. Maior tributação do setor primário, inclusive com impostos específicos sobre a exportação.
2. Eliminar boa parte das desonerações;
3. Tributar mais o capital do que o trabalho;
4. Instituir o IGF, imposto sobre grandes fortunas, que está há 26 anos na lista de “coisas que estão na Constituição mas que não era pra fazer de verdade”;
5. Eliminar subsídios em financiamentos para grandes empresas e grupos econômicos; ou seja, reverter a lógica pela qual opera o BNDES, que privilegia os “amigos do rei”;
6. Acabar com o financiamento público para empresas estrangeiras;
7. Maior tributação do setor primário, inclusive com impostos específicos sobre a exportação.
Podemos concordar ou discordar das
propostas. Eu, por exemplo, simpatizo com as cinco
primeiras e vejo com desconfiança as duas últimas. Para os fins a que me
propus neste artigo isso é irrelevante, cada um que faça seu juízo de mérito.
O ponto fundamental é que o PSOL, que certamente não vencerá as eleições, e
sequer tem força no Congresso para negociar uma reles lei complementar, foi o
único partido a apresentar ideias concretas, passíveis de serem debatidas pela
sociedade.
Assim, o que concluí não foi apenas que, se depender desses políticos, continuaremos esperando pela
reforma tributária. Até porque isso eu já sabia. O interessante é que, talvez por estarem escaldados pelos protestos de 2013, os principais candidatos não querem nem tocar no
assunto. Vai que alguém presta atenção e resolve comprar o barulho.