Vamos imaginar que um estrangeiro amante do futebol, em suas andanças pela orla do Rio de Janeiro, resolva bater uma bolinha na praia. Ele é recebido com sorrisos, escalado numa das equipes, e começa o jogo. No primeiro passe que recebe, porém, é empurrado, se esborracha na areia e fica sem a redonda. Quando está abrindo a boca para reclamar, percebe que um dos seus companheiros de equipe recuperou a pelota utilizando o mesmo expediente. E, ante seu olhar atônito, a partida segue com uma sucessão de empurrões, ombradas, carrinhos e safanões. Diante
dessa situação, o que poderia fazer o turista? Seguir jogando pelas regras que
conhece e aprendeu a respeitar, sabendo que dificilmente conseguiria ganhar um só lance na partida; se adaptar às estranhas regras locais e começar também
a praticar o futebol arte marcial; ou simplesmente se retirar do gramado.
Por
mais que essa alegoria seja inusitada, acredito que espelhe o que deve sentir
um cidadão honesto e bem intencionado quando tenta se aventurar na política
brasileira.
Já escrevemos antes sobre a distância que existe entre nosso
sistema eleitoral representativo, com forte influência do poder econômico, e a
democracia conceitual, preconizada pela própria Constituição.
Demonstramos, também, que um dos efeitos dessa plutocracia
disfarçada é a absurda disparidade na representação do Congresso Nacional. Há,
porém, uma consequência ainda mais nefasta: o sistema político vigente parece
ter sido planejado sob medida para manter, e ser mantido, pela corrupção.
“O presidente que não contemporizou com o
patrimonialismo, caiu.”
(Frase atribuída ao ex-Presidente Lula, em artigo do ex-quase tudo Ciro Gomes)
Espantou-me, na época em que li esse artigo, a
baixíssima repercussão da suposta fala do ex-Presidente. Mas, pensando melhor, entendi que os
adversários dificilmente poderiam obter dividendos eleitorais em cima dessa
“revelação”. Afinal, os políticos precisam chamar atenção pelos
pontos em que diferem dos seus concorrentes, de nada valendo repisar
suas semelhanças. E mesmo o eleitor de raciocínio mais rudimentar dificilmente
será convencido de que a corrupção é “privilégio” de um ou outro grupo, vide a democrática distribuição entre os partidos da “bancada
ficha suja” (veja neste link os dados divulgados pelo TSE nas eleições de 2012). O principal partido de oposição ao
governo federal lidera a lista, com o grande baluarte da base aliada nos seus calcanhares. Assim até dá
para entender por que preferem não tratar com seriedade de certos assuntos. Discutir
aborto, religião ou taxa de juros é muito mais seguro.
“O problema da corrupção não é apenas a violação
das normas, mas o fato de ela muitas vezes ser as próprias normas.”
Vamos tentar contrariar frontalmente a afirmação
acima e defender que não temos um sistema que estimula a corrupção. Que
esta se originaria da má índole dos nossos políticos, e seria alimentada pela
impunidade. Não duvido que estes fatores tenham grande peso na disseminação dos ilícitos. Porém, acreditar que a corrupção resulta somente
de desvios morais, considerando a amplitude e diversidade da nossa fauna de
colarinhos brancos, nos conduz a questões inquietantes: somos, então, todos
imorais? Ou seria a classe política menos ética que a média da população? E, se
isso for verdade, já eram menos éticos antes, e por isso se sentiram atraídos
pela política, ou se tornaram menos éticos depois, para ter sucesso? Ou, se somos mesmo todos imorais, não
iremos naturalmente tentar impor regras que facilitem e encubram nossas imoralidades?
Não importam as respostas que possamos dar a essas perguntas, nenhuma delas mudará o fato de que, se a corrupção nascesse apenas das más iniciativas de poucos indivíduos, ela
não seria um problema tão grande como de fato é no Brasil. A verdade é que a corrupção se tornou
parte integrante do nosso sistema político, em que o
dinheiro é muito mais importante do que ideologia ou moral. Assim, é indiferente se achamos
que pessoas más criaram o sistema, ou se elas se tornaram más por causa do
sistema. Nos dois casos, é claro que ele precisa ser enfrentado. Precisa ser
modificado.
“O sistema não trabalha para resolver
os problemas da sociedade. O sistema trabalha para resolver os problemas do
sistema.”
(Capitão Nascimento, Tropa de Elite 2)
Mas será que não temos pessoas decentes,
realmente honestas na política? Que consigam escapar das armadilhas e atuar em
prol da sociedade?
Embora, evidentemente, não me arrisque a atestar
a índole, para o bem ou para o mal, de nenhuma pessoa, em especial de
políticos, prefiro acreditar que temos, sim, muitas pessoas dispostas a mudar
para melhor o nosso país. E volta e meia me deparo com notícias que indicam que, se elas existem mesmo, enfrentam dificuldades maiores do que
podemos imaginar.
“Sempre desejei um
município livre da corrupção e injustiças, mas me sinto incapaz de exercer tal
função.”
“Ou você dá o dinheiro, ou você não vai governar.”
(Ameça que o Prefeito de Itaocara-RJ afirma ter sido feita pelos vereadores)
(Ameça que o Prefeito de Itaocara-RJ afirma ter sido feita pelos vereadores)
Não conheço nenhum dos políticos envolvidos nos
casos supracitados, e até pode haver um outro lado nessas
histórias. Mas o que elas ilustram, no mínimo, é a irracionalidade de
esperarmos que surja um redentor, um único indivíduo que enfrente o sistema e
tenha sucesso. Nós temos, para o bem e para o mal, três poderes. Que normalmente
só se aliam quando tem interesses em comum.
Faltam oitenta dias para 05 de Outubro. Posso apostar um dedo que, como
mestres da prestidigitação, os candidatos farão todos os seus esforços para que
a atenção das pessoas fique concentrada no que é menos importante. Para que as
eleições continuem sendo uma guerra de torcidas, repletas de promessas que
serão esquecidas na poeira do tempo e de mudanças cuidadosamente planejadas
para deixar tudo absolutamente igual.
Mas por aqui, vamos aproveitar o período eleitoral para tentar jogar um
pouco de luz sobre alguns temas que nossos abnegados políticos preferem deixar na escuridão.
Evitando ao máximo citar algum candidato, afinal, não queremos ser alvejados
pela Lei 12.891/2013.
“Olhe a sua volta. Somos todos mentirosos aqui.”
(Petyr Baelish, por George Martin, “As Crônicas de Gelo e Fogo”)
(Petyr Baelish, por George Martin, “As Crônicas de Gelo e Fogo”)