O governador de São Paulo assinou no dia 23/11 autorização para que o Movimento Brasil Competitivo (MBC)
inicie um trabalho no estado com os objetivos de “melhorar a
eficiência na arrecadação e combater a sonegação”.
Curiosamente, a autorização de Alckmin para
que o MBC inicie sua “colaboração” veio exatamente um dia depois do Rio Grande
do Sul decretar estado de calamidade financeira. O que tem uma coisa a ver com
a outra? Em 21/05/2015 o Rio Grande do Sul anunciou com pompa um “Acordo de Resultados” que definia as prioridades do governo
para o próximo exercício, e que fora elaborado com o auxílio do... MBC.
Não devemos, porém, concluir apressadamente
que se o MBC não ajudou (até agora) o Rio Grande
do Sul não possa ajudar São Paulo. Pelo menos não sem antes entender que
organização é essa.
O MBC é uma associação sem fins lucrativos (claro...),
de interesse público, que tem como missão “promover a competitividade
sustentável do Brasil elevando a qualidade de vida da população”. Dentre os
seus apoiadores figuram empresas como Ericsson, Natura, Suzano e Gerdau. Aliás,
o presidente do Conselho Superior do MBC é Jorge
Gerdau.
Em resumo, o MBC aglutinou grandes grupos
empresariais do país, que cedem recursos humanos e materiais
para colaborar com a gestão pública, provavelmente imaginando que, em
breve, seu trabalho ajudará a construir um ambiente de negócios mais próspero,
com benefícios para toda a sociedade. Esta é uma dedução razoável, com base nos
objetivos declarados pelo próprio grupo.
E assim Alckmin se encanta com o MBC
e, após tomar conhecimento (ou não) do apoio que prestaram a outros
estados (como o Rio Grande do Sul), resolve convidá-los para “melhorar a
eficiência na arrecadação”. Em português coloquial, aumentar a receita de
impostos.
Agora é que a coisa começa a se complicar.
Será que os associados do MBC querem pagar mais impostos? Pensariam eles que o
caminho para a “competitividade sustentável” passa por transferir ainda mais
recursos do setor produtivo para o Estado? Será possível que essas empresas, por
sinal contribuintes do ICMS, imposto que responde por mais de 80% da receita do
estado de São Paulo, estejam interessadas em ajudar o governo a tirar mais
dinheiro delas?
Ah, mas esperem que em seguida o governador
completa: “evitar sonegação, que é uma concorrência desleal”.
Agora sim! As empresas associadas ao MBC com
certeza são fiéis cumpridoras das obrigações tributárias, e sofrem com a
concorrência desleal dos que não pagam seus impostos. Agem portanto para
proteger os próprios interesses (que neste caso se alinham ao interesse
público) quando se unem ao Estado no combate aos sonegadores.
É uma boa história, e até poderíamos comprá-la
se o grupo Gerdau não tivesse sido outro dia mesmo condenado pelo CARF (Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais) a devolver aos cofres públicos 4 bilhões de
reais. Vamos relevar esse pequeno deslize? Afinal, qualquer um é passível de
erro, e a legislação tributária é mesmo muito complexa. Mas será que podemos
relevar também o fato do presidente da Gerdau ter sido indiciado pela Polícia
Federal na Operação Zelotes pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva
e lavagem de dinheiro?
Melhor passar para outro tópico. O primeiro diagnóstico a
ser realizado pelo MBC será sobre os processos de cobrança da Sefaz e da Procuradoria
Geral do Estado (PGE). Excelentes intenções, melhor recuperar os créditos já
constituídos e não pagos do que aumentar a carga de impostos sobre os bons
contribuintes. Não obstante, os associados do MBC colaborariam mais efetivamente
com a PGE se apenas liquidassem os débitos milionários de sua responsabilidade
já inscritos em Dívida Ativa. Acreditaria Alckmin que eles vão auxiliar a PGE a
cobrar com mais eficiência suas próprias dívidas? Seguindo essa lógica, talvez
a próxima iniciativa do governador seja colher sugestões de criminosos
condenados para melhorar a eficiência da persecução penal.
Pausa: Quem ficou curioso para saber se essas empresas realmente
estão em débito com o estado de São Paulo, as informações são públicas e fáceis
de acessar: consultem a lista de associados do MBC, depois encontrem os CNPJs
base com auxílio do Google, em seguida consultem os débitos inscritos no site
da PGE. Podem começar pelas quatro que citei de exemplo lá no início do texto. Fim da pausa.
Mas, se não o gosto pelo auto suplício, qual poderia ser o interesse do MBC nesse acordo de “colaboração”?
Quanto a isso, podemos apenas especular. Benefício pecuniário direto não há, porque o acordo não envolve a transferência de
recursos financeiros. Envolve, porém, o compartilhamento de informações. Os “dados”
de que o MBC necessita para fazer seus diagnósticos são informações econômicas reais, protegidas, em tese, pelo sigilo fiscal. Será que os demais contribuintes do estado, não ligados ao
MBC, concordam em compartilhar suas informações? Os dados
disponibilizados seriam suficientes para que os associados do MBC adquiram
informações privilegiadas sobre o mercado, ganhando assim vantagem
concorrencial? Ou qualquer abertura de informação obedecerá a mais estrita
legalidade, e não será hábil a propiciar qualquer vantagem econômica?
Devemos supor que o governo não será
irresponsável ao ponto de cometer uma ilegalidade de tal porte, e que o MBC não
terá benefícios por acessar essas informações. Só nos resta, portanto, a
hipótese do interesse genuíno de colaborar com a sociedade, entregando os
resultados prometidos: “apontamento de oportunidades identificadas para aprimoramento
da situação atual diagnosticada”. Em português coloquial, indicar para onde a
Administração Tributária deverá apontar suas armas.
Enfim, chegamos a uma motivação lógica para o suposto altruísmo
do MBC. Que empresário não gostaria de indicar que as melhores “oportunidades”
para a fiscalização estão na porta ao lado, e nunca na sua própria?
Ou talvez, como parece acreditar Alckmin, o
que eles realmente desejam é pagar mais impostos, serem fiscalizados com mais
severidade, e saírem derrotados em todos os processos de execução fiscal que
enfrentam ou que venham a enfrentar.
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