terça-feira, 26 de maio de 2015

Por amor ou por dinheiro


As pessoas reagem de forma diferente a momentos de crise. Há quem abaixe a cabeça e espere a tempestade passar. Há quem assista impotente enquanto sua vida é destruída pelos ventos e raios. Há quem enxergue a desgraça alheia como oportunidade e lucre vendendo “novas vidas” para os desamparados. Há ainda os que tentam reagir e se levantam contra as forças aparentemente imbatíveis da natureza.
O que as crises raramente trazem é serenidade. Ninguém tem tempo para pensar em meio a uma saraivada de balas. Porém, que atitude seria mais útil do que refletir, identificar os caminhos que nos levaram às dificuldades do presente, e que, se não combatidos, fatalmente se repetirão no futuro?
“Por que as coisas são assim?” é pergunta que se repete a cada má notícia, a cada decepção. Uma resposta comum, que deve ser muito popular nos manuais de auto-ajuda, é que “nós mesmos construímos nossas vidas e nossos destinos”.
Ora, mas isso parece uma grande idiotice. Se estamos insatisfeitos com nossas vidas, ou com o mundo em si, por que permitimos que ele seja do jeito que é? Por que não o consertamos, todos juntos, se nós mesmos o construímos? Por que alguns se calam e se escondem, enquanto outros lutam?
Economistas gostam de dizer que o comportamento humano é movido por incentivos. Tendo a concordar com eles. Quando analisamos atitudes com base em incentivos, ou em análises de risco/ benefício, é fácil entender a inação. Como as relações de poder em geral favorecem àqueles que se beneficiam das injustiças, atitudes individuais contrárias ao status quo tem pequena chance de potencializar transformações. Em contrapartida, há grandes chances de que os pretensos revolucionários sejam punidos, marginalizados, rotulados como subversivos e transgressores.
Sob esse ponto de vista, o inacreditável não é que tão poucos empenhem esforços contra as injustiças, mas sim que alguém ainda o faça. Atitude tão irracional só pode ser explicada por um senso moral e ético destoante da média da sociedade, presente em poucos e desafortunados indivíduos, ou por situações desesperadoras, quando não há escolha senão reagir. Outro não é o combustível das grandes revoluções.
Mas que panorama desanimador! Então as coisas precisam piorar antes de melhorar? Sem uma tragédia instaurada, a maioria das pessoas não se presta a sair do seu estado natural de inércia?
Assim parece ser. Mas se você é um dos desajustados que, inexplicavelmente, sente-se tentado de vez em quando a agir de forma altruísta (ou menos egoísta), e estava esperando um “final feliz”, não se desespere ainda. Não antes de dar uma boa olhada para o mundo ao seu redor.
Para algumas pessoas, as motivações mais fortes são mesmo aquelas relacionadas ao seu próprio bem estar. Elas não se importam em auferir benefícios em troca dos sacrifícios de outros, e, ao longo da história, tendem a acumular poder e riqueza. Esse processo é até natural, pois poder e riqueza são o que mais lhes importa, e dedicam suas vidas a persegui-los.
Outras, porém, têm certa repulsa em auferir benefícios a custa dos sacrifícios alheios, e não elegem como objetivo principal de suas vidas o acúmulo de riquezas. Não que desgostem de conforto e bens materiais; até gostam, apenas não o bastante para pisar sobre os crânios de outros seres humanos por isso.
Obviamente, os graus de repulsa às injustiças e de ambição variam muito; o importante é que esse segundo grupo, o “resto”, tenha ao menos alguns escrúpulos, um grau mínimo de empatia.
Vamos nos permitir certo otimismo e supor que esse “resto” compõe a maior parte dos seres humanos. Na verdade, seu tamanho nem importa tanto. O que importa é que percebam que são iguais naquilo que é mais relevante, e se unam em prol de seus objetivos comuns, que podemos resumir simplesmente em lutar pelos próprios interesses com justiça, e se erguer contra todas as injustiças, não admitindo que prosperem quaisquer privilégios à custa da miséria dos seus semelhantes.
Agora, perguntemos de novo: se parece tão simples, por que tantos se calam, quando deveriam falar? Por que tantos se curvam, quando deveriam se levantar?
Calam-se porque não escutam as próprias vozes. Curvam-se porque não conhecem o tamanho que terão, quando ousarem se erguer. Mas, em algum lugar, alguém sussurra. Alguém se levanta. Alguém desiste. Alguém finge não estar ouvindo. Alguém chama de novo. Outro alguém escuta.
E nós continuamos chamando. E percebemos que, a cada dia, há menos cabeças abaixadas.