As pessoas
reagem de forma diferente a momentos de crise. Há quem abaixe a cabeça e espere
a tempestade passar. Há quem assista impotente enquanto sua vida é destruída
pelos ventos e raios. Há quem enxergue a desgraça alheia como oportunidade e
lucre vendendo “novas vidas” para os desamparados. Há ainda os que tentam
reagir e se levantam contra as forças aparentemente imbatíveis da
natureza.
O que as crises
raramente trazem é serenidade. Ninguém tem tempo para pensar em meio a uma
saraivada de balas. Porém, que atitude seria mais útil do que refletir,
identificar os caminhos que nos levaram às dificuldades do presente, e que, se
não combatidos, fatalmente se repetirão no futuro?
“Por que as
coisas são assim?” é pergunta que se repete a cada má notícia, a cada decepção.
Uma resposta comum, que deve ser muito popular nos manuais de auto-ajuda, é que
“nós mesmos construímos nossas vidas e nossos destinos”.
Ora, mas isso
parece uma grande idiotice. Se estamos insatisfeitos com nossas vidas, ou com o
mundo em si, por que permitimos que ele seja do jeito que é? Por que não o
consertamos, todos juntos, se nós mesmos o construímos? Por que alguns se calam
e se escondem, enquanto outros lutam?
Economistas
gostam de dizer que o comportamento humano é movido por incentivos. Tendo a
concordar com eles. Quando analisamos atitudes com base em incentivos, ou em
análises de risco/ benefício, é fácil entender a inação. Como as relações de
poder em geral favorecem àqueles que se beneficiam das injustiças, atitudes
individuais contrárias ao status quo tem pequena chance de
potencializar transformações. Em contrapartida, há grandes chances de que os
pretensos revolucionários sejam punidos, marginalizados, rotulados como
subversivos e transgressores.
Sob esse ponto
de vista, o inacreditável não é que tão poucos empenhem esforços contra as
injustiças, mas sim que alguém ainda o faça. Atitude tão irracional só pode ser
explicada por um senso moral e ético destoante da média da sociedade, presente
em poucos e desafortunados indivíduos, ou por situações desesperadoras, quando
não há escolha senão reagir. Outro não é o combustível das grandes revoluções.
Mas que panorama
desanimador! Então as coisas precisam piorar antes de melhorar? Sem uma
tragédia instaurada, a maioria das pessoas não se presta a sair do seu estado
natural de inércia?
Assim parece
ser. Mas se você é um dos desajustados que, inexplicavelmente, sente-se tentado
de vez em quando a agir de forma altruísta (ou menos egoísta), e estava
esperando um “final feliz”, não se desespere ainda. Não antes de dar uma boa
olhada para o mundo ao seu redor.
Para algumas
pessoas, as motivações mais fortes são mesmo aquelas relacionadas ao seu
próprio bem estar. Elas não se importam em auferir benefícios em troca dos
sacrifícios de outros, e, ao longo da história, tendem a acumular poder e
riqueza. Esse processo é até natural, pois poder e riqueza são o que mais lhes
importa, e dedicam suas vidas a persegui-los.
Outras, porém, têm
certa repulsa em auferir benefícios a custa dos sacrifícios alheios, e não elegem
como objetivo principal de suas vidas o acúmulo de riquezas. Não que desgostem
de conforto e bens materiais; até gostam, apenas não o bastante para pisar
sobre os crânios de outros seres humanos por isso.
Obviamente, os
graus de repulsa às injustiças e de ambição variam muito; o importante é que
esse segundo grupo, o “resto”, tenha ao menos alguns escrúpulos, um grau mínimo
de empatia.
Vamos nos
permitir certo otimismo e supor que esse “resto” compõe a maior parte dos seres
humanos. Na verdade, seu tamanho nem importa tanto. O que importa é que percebam
que são iguais naquilo que é mais relevante, e se unam em prol de seus
objetivos comuns, que podemos resumir simplesmente em lutar pelos próprios
interesses com justiça, e se erguer contra todas as injustiças, não admitindo que
prosperem quaisquer privilégios à custa da miséria dos seus semelhantes.
Agora,
perguntemos de novo: se parece tão simples, por que tantos se calam, quando
deveriam falar? Por que tantos se curvam, quando deveriam se levantar?
Calam-se porque
não escutam as próprias vozes. Curvam-se porque não conhecem o tamanho que
terão, quando ousarem se erguer. Mas, em algum lugar, alguém sussurra. Alguém
se levanta. Alguém desiste. Alguém finge não estar ouvindo. Alguém chama de
novo. Outro alguém escuta.
E nós continuamos chamando. E percebemos que,
a cada dia, há menos cabeças abaixadas.