O brasileiro médio tem um prazer especial em
achincalhar seu próprio país. Nosso já tradicional complexo de vira-latas recentemente
foi acrescido de um inusitado gosto pela autoflagelação. E essa autêntica mania
nacional foi impulsionada pelo trágico, lamentável, abominável fato de que
estamos prestes a sediar uma Copa do Mundo.
E os argumentos anti-copa são bem convincentes:
1. Muitas obras prometidas não ficaram prontas;
2. O que foi feito, atrasou, e custou bem mais do
que o planejado;
3. Temos coisas mais importantes para investir do que
em estádios de futebol;
4. Não temos estrutura decente para receber tantos
turistas. A mobilidade urbana é trágica, nossos aeroportos insuficientes, a
segurança pública, melhor nem comentar.
Tudo isso é verdade. Mas nada disso é “culpa” da Copa
do Mundo, tampouco há a mínima lógica em imaginar que a não realização da copa
nos traria algum benefício.
Vamos enfrentar logo de cara um argumento que parece incontestável:
o dinheiro gasto na Copa poderia ter sido aplicado na saúde e na educação.
Poderia mesmo. Mas, quanto será que se investe na
saúde e educação? Aliás, será que algum ativista anti-copa já leu alguma vez na
vida a lei orçamentária da União, do seu Estado, ou do Município, só pra ter
uma ideia da magnitude dos valores?
Vamos poupá-los do trabalho: o gasto público anual
com saúde e educação (tem um link aqui, ok?) é de quase QUINHENTOS BILHÕES de
reais.
Somando o custo dos estádios e das demais obras
da copa, temos um total de 25 bilhões de reais. Mesmo supondo que o evento não dará um único centavo de retorno, isso
representa somente 5% do orçamento anual com saúde e educação.
Agora, será que alguém acredita mesmo que investir o
dinheiro da Copa em saúde e educação resolveria alguma coisa? Simples assim?
Um estrangeiro que leia certos comentários na
Internet deve pensar que, antes que nos amaldiçoassem com a organização da Copa
do Mundo, o Brasil era um paraíso: as obras públicas ficavam prontas no prazo,
não tinha corrupção, tudo funcionava. Ou pelo menos estava a ponto de
funcionar, bastaria ter investido bem esses 25 bi, que era tudo de que
precisávamos pros retoques.
Apenas para clarear ainda mais a insignificância do
“custo Copa”: a União pagou em 2013 DUZENTOS E CINQUENTA BILHÕES DE REAIS em
juros da dívida pública. Dívida que é gerada em grande parte vendendo títulos
públicos pros banqueiros e pagando a eles juros mais altos do que a viúva cobra
para financiar as grandes empresas via BNDES.
Nossa, é bem mais do que se gastou com a Copa do
Mundo. E sai pelo ralo todo ano. Por
que será que ninguém está falando disso?
Na verdade, não temos raiva da Copa "só" porque ela é mais
uma oportunidade para o mau uso do dinheiro público. No fundo, sabemos que
oportunidades melhores aparecem e estão sendo aproveitadas todos os dias, por
décadas, por séculos.
Também não temos raiva da Copa porque o dinheiro
gasto com as obras pedidas pela Dona FIFA poderia resolver os nossos problemas
com saúde, educação, transporte, segurança. Ninguém acredita nisso.
Temos raiva da Copa pelo mesmo motivo que leva o
marido traído a queimar o sofá da sala: ela nos obrigou a saber de coisas que
preferíamos ignorar. Jogou na nossa cara uma realidade que não queremos
encarar, porque não estamos realmente dispostos a modificar.
Como assim? Então, os bons cidadãos não querem que
tenhamos um país melhor? Com mais eficiência, menos corrupção? Em que as coisas
funcionem como no primeiro mundo?
Olha, podem até querer. Mas desde que eles não
precisem mover uma palha pra isso acontecer. Porque, no fim das contas, como se
expressa toda essa revolta da sociedade contra a Copa?
Temos uma minoria que anda por aí quebrando vitrines
de bancos, queimando lixeiras e hostilizando jornalistas. Com certeza eles
também vão tentar praticar algumas depredações durante a Copa. O grande objetivo
desse grupo deve ser que as lixeiras queimadas sejam substituídas por outras
com padrão FIFA e que os bancos instalem vitrines à prova de balas. Coisa de
primeiro mundo.
Felizmente, a grande maioria da população expressa
sua revolta de forma mais pacata: xingando muito no twitter e compartilhando
coisas no facebook. Os mais indignados pregam a solução final: nunca mais votar
no partido “x”. Provavelmente vão votar no “y”, que no passado também tentou
trazer a Copa pro Brasil, sem sucesso, ou no “z”, que outro dia mesmo era aliado do “x”, que também já esteve antes do lado do “z”, e se perder as eleições amanhã
estará junto de qualquer um dos outros dois, com o mesmo sorriso de sempre.
Não é essa, porém, a mensagem da Copa. E por dizer
algo diferente é que ela nos irrita. O que ela diz, o que não queremos escutar,
é que mesmo com todas as nossas mazelas, podemos ser grandes. Mas para isso
precisamos mudar. Assumir nossas responsabilidades, o que não fizemos até hoje.
E, no caso dos problemas da Copa, não temos como dizer que “não sabíamos”.
Fomos avisados, com insistência, até. Mas não fizemos nada. Nunca fazemos nada,
além de botar a culpa nos outros e alimentar a ilusão de que tudo vai melhorar
nas próximas eleições.
Pois as chances disso acontecer
são as mesmas da Austrália vencer a Copa do Mundo. O “caçador de
marajás” não levou o Brasil pro primeiro mundo, nem o Doutor da Sorbonne. O Messias
Barbudo também não conseguiu, muito menos a Gerentona. Agora estamos esperando
por quem, pelo Batman de toga? Pelo Capitão Nascimento?
Quem sabe conseguiremos aprender alguma coisa com a
Copa. Se não, que aprendamos com as Olimpíadas. Ou podemos continuar deixando
as raposas tomando conta do galinheiro, e trocar as raposas de quatro em quatro
anos. E continuará nunca sendo culpa nossa. Afinal, temos mais o que fazer
do que ajudar a tomar conta do nosso próprio país.
Finalizo com uma adaptação da “oração da serenidade”,
desejando que:
Sejamos
sábios o bastante para aceitar as coisas que não podemos modificar;
Corajosos o
bastante para modificar aquelas que podemos;
E estúpidos
o bastante para jamais sermos convencidos de que há alguma diferença entre as
duas.
Perfeito... Parabéns pelo belíssimo texto!!!
ResponderExcluirObrigado, Luci!
Excluirmto bom, parabéns!
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, Deborah!
ResponderExcluirGlauco, ontem compartilhei no facebook, com você inclusive, que o valor investido pelo governo federal anualmente gita na casa de 3,9 bilhões de reais, ou você discorda daqueles dados? Por que você inflou o orçamento com dados referentes a gasto com pessoal? Para parecer ínfimo gastar 25 bilhões com a Copa do Mundo?Suas tentativas de defender o PT estão ficando cada vez mais engraçadas! Para o pessaol que leu a o post do nosso amigo Glauco, sempre muito beme escrito, segue o link de um contraponto http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/8766
ResponderExcluirNão inflei nada, pode ler no texto que eu momento algum usei a palavra "investimento", disse que estava usando como parâmetro de comparação o GASTO público. E coloquei os links com os dados. A matéria que você cita usa outro critério de comparação, que na minha opinião é falacioso. Você pode ter opinião diferente e achar que esse dinheiro dos estádios resolveria os problemas da saúde e educação no Brasil. Continuarei pensando do meu jeito.
ResponderExcluirTampouco fiz em qualquer momento defesa de qualquer partido político, ao contrário, aponto questões que considero mais graves do que supostos desvios na Copa, igualmente fruto das políticas do atual governo. Aliás, é perceptível, pelo conjunto de textos, que nenhum dos "grandes" partidos políticos nacionais conta com minha simpatia no momento, e que enxergo o caminho para solução dos problemas do país bem longe desse ridículo festival de caneladas entre o PT e o PSDB.