quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O elo mais fraco


No apagar das luzes de 2014, o governo federal anunciou mudanças nas regras de diversos benefícios previdenciários: pensão por morte, seguro-desemprego, abono salarial, auxílio-doença e seguro defeso (um tipo de seguro-desemprego para pescador). As manifestações contrárias foram consideravelmente abafadas pelo ruído dos fogos de réveillon, o que foi uma pena, pois constituem uma curiosidade por si só. Com exceção de uma meia dúzia de desvairados esquerdistas, que até hoje não entenderam que é preciso “acalmar o mercado”, as críticas que consegui filtrar remetem mais ao fato da Presidente ter prometido que não iria fazer isso, ou acusado o adversário de que ele é que faria aquilo, do que à (in)conveniência das medidas. Também, como criticar qualquer iniciativa que visa fomentar o tão desejado “superávit” e promover a “responsabilidade fiscal”? Afinal, já estamos cansados de saber que não tem outro jeito mesmo.
Fim dos intervalos comerciais. De todo modo, também não me interessa comentar muito sobre o mérito das novas regras. Há quem diga que são bem vindas, principalmente devido aos fortes indícios de fraudes nos benefícios. Sem dúvida, dificultar o acesso aos benefícios deverá reduzir as fraudes. Mas se a ideia é essa, então por que não eliminar de vez os benefícios? Máxima economia e fraude zero.
Enfim, caso alguém se interesse pelo que penso a respeito, esclareço logo que redução de direitos trabalhistas e cortes de benefícios previdenciários não seriam minhas medidas preferenciais para melhorar a gestão do dinheiro público. Mas o assunto sobre o qual desejo refletir é: admitindo que a decisão do governo partiu de uma determinada premissa (precisamos economizar xx bilhões) por que optou por esses cortes, e não por quaisquer outros?
Como sempre, a beleza está nos detalhes. Basta olhar para os prejudicados pelas medidas. Quem deixará de receber o seguro-desemprego, por ser demitido do primeiro emprego em menos de dezoito meses? Quem terá sua pensão tungada, pelo infortúnio do pretenso instituidor partir para o campo das felizes caçadas antes de completados dois anos do enlace matrimonial? Quem ficará sem abono salarial por ter trabalhado menos de seis meses?
Pois é. Eu não sei, você não sabe, os futuros prejudicados tampouco. Seria fantástico assistirmos a um grande protesto, repleto de jovens idealistas, indignados com a possibilidade de não receberem o seguro-desemprego caso sejam demitidos em menos de dezoito meses do emprego que ainda não conseguiram. Melhor ainda, uma passeata de belas moçoilas recém-casadas, angustiadas com o risco iminente de ficarem sem pensão caso seus maridos morram nos próximos dois anos. Pena que os jovens devem estar ocupados procurando o tal emprego do qual um dia serão demitidos. E quanto à passeata das recém-casadas, provavelmente não seria muito bem vista pelos seus maridos.
A lógica por trás da escolha, assim, é cristalina, e a mesma de sempre: perde mais quem pode menos. E quem “não existe” nada pode. Em compensação, foram firmemente rechaçadas as declarações de um ministro mais açodado sobre possível mudança nas “regras de reajuste do salário mínimo”. Acho que ele quis dizer que a política de ganhos reais do salário mínimo está ameaçada. Felizmente, a Presidenta já desdisse o que ele havia dito, porque tem um monte de gente que efetivamente ganha um salário mínimo, e que não iria gostar nada dessa novidade. Espero que ela esteja falando sério desta vez, porque, com o devido respeito às opiniões contrárias, o salário mínimo nacional ainda merece muito o nome de mínimo.

Enquanto isso, o Ministro da Fazenda avisa que vai acertar as contas públicas sem tirar um centavo dos programas sociais. A Ministra da Agricultura proclama que no Brasil não existe latifúndio. O Ministro dos Esportes assume que não entende nada de esporte. Os sociais-democratas que na verdade eram neoliberais viraram trabalhistas e se erguem em defesa do proletariado, os trabalhistas viraram neoliberais. E eu, que andava pensando em escrever um pouco de ficção neste ano de 2015, precisarei de muita transpiração para produzir qualquer fantasia que não leve de goleada da nossa psicodélica realidade.



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