Se há algo de realmente extraordinário
nos seres humanos, é a capacidade de constante superação. Honestamente,
acreditava que tão cedo ninguém seria capaz de superar no quesito vergonha
alheia o texto de que tratamos no último artigo do blog, sobre as dificuldades
dos liberais para consumarem coitos. Mas eis que, não mais de duas semanas
depois, me deparo com um emocionante editorial de louvor ao agronegócio
brasileiro.
Até aí nada demais, afinal, é bem provável que os donos do grupo de mídia que veicula essa opinião recebam
polpudas verbas publicitárias dos magnatas do setor. O que realmente me causou espanto
foi presenciar essa opinião reverberando nas redes sociais, como num surto de idolatria aos “guerreiros” dos campos deste Brasil.
Suponho, claro, que os idólatras não são
os próprios fazendeiros disfarçados, mas cidadãos comuns, admirados com a
potência empreendedora dos salvadores da pátria. Firmada essa premissa, não
posso deixar de imaginar uma singela alegoria, protagonizada pelo simpático Arturzinho.
Nosso herói é um nerd que, por uma dessas trapaças do
destino, acabou se alojando numa república cheia de gente descolada e com um
elogiável histórico de sucesso na interação social. Doido para se integrar e
também usufruir dos benefícios da popularidade, Arturzinho dá o maior apoio aos
seus parceiros. Paga, claro, a sua parte nas despesas normais da república. E também
banca, mais do que os outros, se necessário (e freqüentemente é necessário), as
muitas festas que enchem a casa de mulheres desejáveis. Se for preciso (e é
preciso com muita freqüência), empresta seu próprio quarto para os amigos
maneiros dos seus colegas de república, ajudando-os assim a usufruir
comodamente dos espólios colhidos na batalha. Além de tudo, é o que mais
trabalha na organização da festa e na arrumação da casa. Enfim, é o homem que
comanda os bastidores.
Percebe-se que o Arturzinho é um cara
legal, todo mundo gosta dele. E ele se sente muito bem por ser tão querido. Só
tem um problema: no final das contas, o Arturzinho, que tanto rala, acaba não pegando
ninguém! E não satisfeito em somente viver nessa triste condição, ainda sai
TIRANDO ONDA por morar numa república tão bacana, que vive cheia de mulher, e por
ter um monte de amigos que estão traçando as mais gostosas da faculdade.
Claro que essa digressão foi só pra
descontrair, e qualquer semelhança com os fãs dos agromagnatas não chega
nem a ser mera coincidência. Agora vamos voltar ao tema.
Assim como o Arturzinho banca, em grande
parte, a diversão dos seus amigos, o cidadão que está batendo palma para mais
um navio carregado de soja pra lá, uma mala de dinheiro pra cá, também banca o
agronegócio. Afinal, o setor é largamente financiado por dinheiro público e
isenções tributárias. Quem não cabulou as aulas de História no segundo grau
deve se lembrar da época em que o governo comprava café para evitar que o preço
caísse, mantendo assim a prosperidade dos barões. Tanto tempo se passou, mas a
justificativa da época não difere muito da hoje utilizada para as crescentes
desonerações, benefícios e facilidades: eles merecem todo apoio, afinal,
representam o "Brasil que dá certo”.
Creio não ter um grande tino para
negócios, mas quem sabe, se me dessem terra de graça, dinheiro pra plantar
quase de graça, isenção de uma série de tributos, alíquotas ridículas nos
remanescentes (como é o caso do ITR) e o governo ainda comprasse minha produção
ou perdoasse minhas dívidas de vez em quando, talvez eu tivesse alguma chance
de prosperar também. Pena que ainda não era sequer nascido quando a coroa
portuguesa distribuiu nossas terras entre seus amigos nobres, e nem prestei
serviços relevantes ao Império (tipo matar índios) para ser agraciado com
latifúndios.
“Ah, mas hoje é muito diferente. Na
época, tinha até trabalho escravo. Hoje, a agricultura gera emprego!”
De fato, há diferenças. Naqueles tempos
os agricultores e pecuaristas utilizavam o trabalho escravo legalmente. Podia
até ser imoral, mas era legal. Hoje, uns poucos desviados do caminho da virtude
(claro que isso é exceção) continuam usando, pena que de forma ilegal. Mas a
solução do problema está encaminhada, eles estão loucos para mudar o conceito
legal de escravidão. Aí sim, poderão se tornar iguaizinhos aos seus
ancestrais. E merecerão mais ainda os vivas da plebe.
Diante de situações tão estapafúrdias, só
me resta encerrar deixando, do alto de minha insuportável pretensão, dois conselhos:
- Para o Arturzinho: invista seu tempo e
dinheiro em atividades que possam de fato ajudá-lo a gozar das mesmas diversões
em que os seus colegas se esbaldam. O dinheiro, por exemplo, seria mais bem
investido remunerando os serviços de boas e honestas profissionais liberais.
- Para os fãs dos grandes empreendedores
rurais: se você quer ser como eles, mas não tem terra, não tem grana, nem é
amigo do Rei, não se desespere. É só clicar aqui.
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