quarta-feira, 2 de julho de 2014

O Bom, o Mau, e o Vilão


Há, no mínimo, três “prêmios” sendo disputados pela sociedade brasileira na Copa do Mundo (da FIFA).
O mais importante, em minha opinião, é aquele em que parecíamos tão interessados antes da abertura do Mundial, e que aos poucos vai se desvanecendo: que a atenção despertada pelos possíveis desvios de recursos durante a organização da Copa nos empurrasse um pouco ao longo do  caminho para sermos um povo mais engajado, politicamente ativo. Não apenas para tuitar palavras de ordem tolas, mas para cobrar de quem deve ser cobrado, assumir nossa parcela de responsabilidade pela coisa pública. Como sou realista, mas não ranzinza, quero crer que até avançamos um pouco nesse quesito. Muito já foi esquecido, e muito mais o será depois de outubro. Mas algumas pessoas não esquecerão e, aos poucos, vamos aprendendo a construir uma democracia.
Em compensação, estamos bem perto do segundo prêmio. As profecias apocalípticas não se realizaram. Ao contrário, pasmem, estamos mesmo realizando a “Copa das Copas”. Sensacional dentro de campo, mais do que satisfatória fora dele. Há quem diga até, santa heresia, que superamos em organização os Jogos de Londres. Um estrondoso baque para o nosso complexo de vira-latas. Um pequeno, mas importante, brilho para a imagem do nosso país.
Como grande fã de futebol, estou ciente de que o meu “terceiro prêmio” deve ocupar o topo da lista para a maioria das pessoas: vencer o torneio. Pode soar estranho que eu não me importe tanto com isso. Torço sim para que a taça fique com o Brasil, mas, se não acontecer, passará longe de ser uma tragédia. Mesmo a seleção mais vencedora de todas não pode vencer sempre. E esta edição, em tese, não seria uma das nossas melhores chances. O principal astro do time tem 22 anos. Além dele, os únicos que despontam como destaques em clubes europeus de ponta são jogadores de defesa. Nosso goleiro joga no Canadá, os dois centroavantes, no Brasil mesmo. Temos jogadores vestindo a amarelinha que passaram a temporada na reserva dos seus clubes, e alguns desses clubes são na Ucrânia. Não temos meio de campo, a “organização tática” da equipe pode ser montada, sobrando espaço, numa só das pranchetas do Mister Joel Santana. Mas mesmo assim temos chance: principalmente pela força da camisa, e porque estamos jogando em casa. 
E daí puxo o assunto: por incrível que pareça, o que deveria ser nossa maior vantagem se transformou em fraqueza. A torcida não colabora, só aprendeu a cantar o hino à capela e entoar, vez que outra, o chatíssimo “sou brasileiro...”. Nisso, até tentam jogar parte da culpa para a dona FIFA e seus caríssimos ingressos, que teriam afastado a verdadeira torcida dos estádios. Mas como explicar então a festa de argentinos, colombianos, e até argelinos? Teriam esses povos condições econômicas assim tão superiores aos brasileiros? A verdade é que, por motivos diversos, não temos o hábito de torcer pela seleção.
Nesse caso, muito ajuda quem não atrapalha. Mas claro que não ficamos satisfeitos em apenas não ajudar. Após a dramática vitória sobre o Chile, temperada por uma nuvem de lágrimas, jogadores se escondendo, caindo pelo gramado, tudo coroado pelo discurso de autocomiseração daquele que saiu de campo como herói, assumindo que ainda se sente culpado pela competição que perdemos quatro anos atrás, formou-se um consenso na mídia e na opinião pública: o grupo está “fragilizado emocionalmente”. Estão sentindo a responsa de ter a obrigação de ganhar.
O que faz, então, o torcedor brasileiro? Falo apenas do torcedor, porque entendo essa atitude dos jornalistas, afinal, eles precisam de pautas, de polêmicas. Mas o torcedor, em tese, deveria apoiar sua seleção. E o que faz ele após a vitória? Exalta o goleiro pegador de pênaltis? Elogia nossos zagueiros, alguns dos poucos que vem correspondendo? Dá força ao jovem camisa 10, que vinha muito bem e apenas nesse último jogo teve uma atuação apagada? Claro que não. Como um bando de abutres, começam a repercutir cada fio de polêmica possível, doidos para arrumar um vilão.
Para que elogiar nosso goleiro, se podemos criticá-lo por ter chorado? Melhor ainda, podemos dizer que ele “não fez mais que a obrigação”, já que falhou na última Copa. E o nosso capitão, tido como o melhor zagueiro do mundo? Vamos pisar um pouquinho nele também, porque não quis bater pênalti, nem ficou berrando na rodinha. E por aí poderíamos citar cornetagens das mais variadas que vem ganhando eco, atingindo desde o massagista até o centroavante.
Ora, qualquer psicólogo de botequim poderia concluir que, se temos um grupo abalado emocionalmente (o que, diga-se de passagem, não deveria acontecer em se tratando de atletas profissionais, muito bem remunerados, com as melhores condições para se prepararem, etc., mas está acontecendo, e o mundo do “dever ser” não nos interessa), 23 jogadores morrendo de medo de virarem o “Barbosa” de 2014, a melhor coisa que podemos fazer para atrapalhar é ficarmos apontando o dedo para um, ou para outro, procurando culpados para uma derrota que ainda não aconteceu. E não considero isso apenas burrice, mas também uma tremenda injustiça.
Porque muito poderá ser dito no futuro sobre essa seleção brasileira: que faltou talento, que houve erros na convocação, no esquema tático. Mas não se poderá dizer, jamais, que eles não se importaram. Importam-se até demais, talvez. E nós, que tanto nos queixamos quando, após uma derrota, os vencidos não demonstram tristeza, simplesmente apertam as mãos dos adversários e saem de campo para seguir a vida, muitos até sorrindo, enquanto nós passamos horas chorando, agora estamos reclamando porque eles também choram. Porque eles também sofrem. Porque, assim como nós, eles querem muito vencer. E não sabem se são capazes. E tem medo. Medo de nos decepcionar. Medo de decepcionar a si mesmos. E, para vencer, não podem deixar que o medo os paralise. E, com certeza, não precisam de mais fantasmas.
Por isso eu digo que, de hoje até o jogo final, esses jogadores não merecem ser "cornetados". Estão chorando? Pois então, cantemos para eles. Vamos carregá-los “no colo”, se preciso for. Porque, pelo menos dessa vez, vitoriosos ou derrotados, eles não voltarão para a Europa como se nada tivesse acontecido. Essa seleção, por mais deficiências técnicas e psicológicas que possa estar mostrando, tem alma. E só alma não basta para vencer um jogo de futebol, é certo. Mas não estamos falando de partidas de futebol, estamos falando da Copa do Mundo. Um palco onde, na reta final, alma, magia e vontade costumam valer tanto quanto, ou mais, do que o talento. E por isso podemos vencer.

A menos claro, que estejamos decididos a perder, para podermos acrescentar novos vilões à galeria. Afinal, qual é graça de não ter ninguém para apontar o dedo, além de nós mesmos?



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