sábado, 12 de julho de 2014

Tangos e Tragédias


Após uma pequena série de artigos relacionados à Copa do Mundo, seria estranho ignorar o fatídico destino reservado à Seleção Brasileira de futebol. Claro que, na “Copa das Copas”, não poderíamos ser eliminados com um placar magro, numa bola vadia. Teria que ser memorável. E, por mais que nossas chances de título nunca tenham sido assim tão grandes como alguns quiseram nos fazer acreditar (como já havíamos dito antes da eliminação, inclusive), não deixa de ser inesperado que, ao fim, tenhamos tido sucesso na organização do torneio e na recepção aos visitantes, e um fracasso tão retumbante no campo de jogo.
Apesar do peso do resultado, me espantei com alguns termos que foram constantemente repetidos na imprensa e nas redes sociais para se referir ao episódio: desastre, tragédia, vergonha, humilhação. Causaram-me tanta estranheza que me senti obrigado não só a refletir um pouco sobre o significado dessas palavras, mas também a compartilhar estas reflexões, que dividi em quatro partes, com os meus poucos e abnegados leitores.
Primeiro ato: poucos dias antes da partida houve o desabamento de um viaduto, por coincidência, na própria cidade de Belo Horizonte. Duas pessoas morreram. Isso é um desastre.
Segundo ato: em janeiro de 2013, um incêndio matou 242 pessoas e deixou feridas outras 116 numa cidade do Rio Grande do Sul. Isso é uma tragédia.
Terceiro ato: o Brasil foi um dos últimos países a abolir (formalmente, pelo menos) a escravatura. Somos, até hoje, uma sociedade racista, escravocrata, retrógrada e desigual, sem prejuízo de outros adjetivos. Isso é uma vergonha.
Quarto ato: ocupamos rotineiramente as últimas posições nos rankings mundiais de educação, com números próximos dos alcançados por potências econômicas como a  Albânia e a Tunísia. Isso é uma humilhação.
Após essa breve digressão, espero que possamos analisar a derrota nos campos sob uma perspectiva mais adequada. 
O esporte de alto nível é um negócio. Um ramo da árvore chamada indústria do entretenimento. E a Copa do Mundo é um dos ramos mais fortes e rentáveis dessa árvore. Por que ganhar ou perder uma competição esportiva, repentinamente, passa a significar tanto para as pessoas? Por que torcemos para Luke Skywalker derrotar Darth Vader?
Porque, naquele momento, seja num estádio de futebol, nas páginas de um livro ou numa sala de cinema, estamos em outra realidade. Num campo de sonhos. Que se espalha muito além das quatro linhas dos modernos estádios. Que embala as arrancadas e chutes em cada rua ou campinho de várzea, que inspira o grito de gol de cada criança que hoje sonha, “quando eu crescer vou jogar na seleção brasileira e me vingar desses alemães”.
Claro que poucos desses sonhadores realmente se tornarão profissionais do futebol. A maioria desistirá do sonho, como sempre acontece quando crescemos. Outros o perseguirão, mas sem sucesso. Mas o esporte tocará a vida de todos. Para alguns como mera recreação; em outros casos, como o detalhe que desviou um adolescente da marginalidade. Sim, nosso futebol hoje é um negócio, um produto: e embora ache que o resultado de campo não merece lágrimas ou imolação pública, também não pode ser desprezado. Precisamos valorizar novamente o nosso produto, alimentar os sonhos. Não porque precisamos de mais Copas do Mundo, mas porque precisamos de mais vida, mais felicidade, mais esperança no futuro.
Hoje podemos ter certeza de que, ao contrário do que se dizia, essa Copa do Mundo nos deixou sim vários legados. Tanto provando que somos capazes de grandes realizações, como escancarando problemas que já passou da hora de enfrentarmos. O que faremos desses legados, porém, depende da sociedade. Eu, pelo menos, nunca vi a raposa fechando a porta do galinheiro.
Que o legado do 7x1 seja a tão esperada mudança na gestão do nosso futebol. Para que ele volte a ser do povo, e não de meia dúzia de engravatados que enriquecem com o esporte. Para que tenhamos sim, estádios bonitos, mas para uso dos brasileiros, não da FIFA. Clubes fortes, alimentando paixões e gerando empregos, mas financiados pela receita de competições fortes e bem organizadas, não pelo dinheiro público.
E propostas para que isso se torne uma realidade existem. O que falta, como sempre, é vontade política. Para os interessados, sugiro que acompanhem, pelo menos, os trabalhos do Bom Senso FC e do nosso eterno camisa 11. E que comecem a debater, a pressionar seus representantes. Que tentem fazer parte da mudança.
As oportunidades, mais uma vez, se oferecem para nós. O futuro dirá se vamos aproveitá-las, ou se nos contentaremos com a troca do treinador e do camisa nove.



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