Após uma pequena série de
artigos relacionados à Copa do Mundo, seria estranho ignorar o fatídico destino
reservado à Seleção Brasileira de futebol. Claro que, na “Copa das Copas”, não
poderíamos ser eliminados com um placar magro, numa bola vadia. Teria que ser
memorável. E, por mais que nossas chances de título nunca tenham sido assim tão
grandes como alguns quiseram nos fazer acreditar (como já havíamos dito antes
da eliminação, inclusive), não deixa de ser inesperado que, ao fim,
tenhamos tido sucesso na organização do torneio e na recepção aos visitantes, e
um fracasso tão retumbante no campo de jogo.
Apesar do peso do resultado, me
espantei com alguns termos que foram constantemente repetidos na imprensa e nas
redes sociais para se referir ao episódio: desastre,
tragédia, vergonha, humilhação. Causaram-me tanta estranheza que me
senti obrigado não só a refletir um pouco sobre o significado dessas palavras,
mas também a compartilhar estas reflexões, que dividi em quatro partes, com os
meus poucos e abnegados leitores.
Primeiro ato:
poucos dias antes da partida houve o desabamento de um viaduto, por
coincidência, na própria cidade de Belo Horizonte. Duas pessoas morreram. Isso
é um desastre.
Segundo ato: em
janeiro de 2013, um incêndio matou 242 pessoas e deixou feridas outras 116 numa
cidade do Rio Grande do Sul. Isso é uma tragédia.
Terceiro ato: o
Brasil foi um dos últimos países a abolir (formalmente, pelo menos) a
escravatura. Somos, até hoje, uma sociedade racista, escravocrata, retrógrada e
desigual, sem prejuízo de outros adjetivos. Isso é uma vergonha.
Quarto ato: ocupamos
rotineiramente as últimas
posições nos rankings mundiais de educação, com números
próximos dos alcançados por potências econômicas como a Albânia e a
Tunísia. Isso é uma humilhação.
Após essa breve digressão,
espero que possamos analisar a derrota nos campos sob uma perspectiva mais
adequada.
O esporte de alto nível é um
negócio. Um ramo da árvore chamada indústria do entretenimento. E a Copa do
Mundo é um dos ramos mais fortes e rentáveis dessa árvore. Por que ganhar ou
perder uma competição esportiva, repentinamente, passa a significar tanto para
as pessoas? Por que torcemos para Luke Skywalker derrotar Darth Vader?
Porque, naquele momento, seja
num estádio de futebol, nas páginas de um livro ou numa sala de cinema, estamos
em outra realidade. Num campo de sonhos. Que se espalha muito além das quatro
linhas dos modernos estádios. Que embala as arrancadas e chutes em
cada rua ou campinho de várzea, que inspira o grito de gol de cada criança que
hoje sonha, “quando eu crescer vou jogar na seleção brasileira e me vingar
desses alemães”.
Claro que poucos desses
sonhadores realmente se tornarão profissionais do futebol. A maioria desistirá
do sonho, como sempre acontece quando crescemos. Outros o perseguirão, mas sem
sucesso. Mas o esporte tocará a vida de todos. Para alguns como mera recreação;
em outros casos, como o detalhe que desviou um adolescente da marginalidade.
Sim, nosso futebol hoje é um negócio, um produto: e embora ache que o resultado
de campo não merece lágrimas ou imolação pública, também não pode ser
desprezado. Precisamos valorizar novamente o nosso produto, alimentar os
sonhos. Não porque precisamos de mais Copas do Mundo, mas porque precisamos de
mais vida, mais felicidade, mais esperança no futuro.
Hoje podemos ter certeza de
que, ao contrário do que se dizia, essa Copa do Mundo nos deixou sim vários
legados. Tanto provando que somos capazes de grandes realizações, como
escancarando problemas que já passou da hora de enfrentarmos. O que faremos
desses legados, porém, depende da sociedade. Eu, pelo menos, nunca vi a raposa
fechando a porta do galinheiro.
Que o legado do 7x1 seja
a tão esperada mudança na gestão do nosso futebol. Para que ele volte a ser do
povo, e não de meia dúzia de engravatados que enriquecem com o esporte. Para
que tenhamos sim, estádios bonitos, mas para uso dos brasileiros, não da FIFA. Clubes
fortes, alimentando paixões e gerando empregos, mas financiados pela receita de
competições fortes e bem organizadas, não pelo dinheiro público.
E
propostas para que isso se torne uma realidade existem. O que falta, como
sempre, é vontade política. Para os interessados, sugiro que acompanhem, pelo
menos, os trabalhos do Bom Senso FC e do nosso eterno camisa 11. E que comecem a
debater, a pressionar seus representantes. Que tentem fazer parte da mudança.
As
oportunidades, mais uma vez, se oferecem para nós. O futuro dirá se vamos
aproveitá-las, ou se nos contentaremos com a troca do treinador e do camisa
nove.
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